sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

O ALMOÇO

O ALMOÇO


Ano após ano, no mês de dezembro, assistimos ao festival de hipocrisia que é o almoço do Presidente da Republica com os Oficiais Generais das Forças Armadas. Evento antigo, iniciado, se não me engano, na época dos Presidentes Generais, tinha o propósito de prestigiar os Presidentes pela sua condição de militares, constituindo, assim, uma demonstração de solidariedade “classista” por parte dos Oficiais Generais e representando, para o público em geral, um recado claro do apoio do Poder Militar ao governo constituído.
Alguns argumentam, em contrário, que o almoço é, apenas, um ato de cavalheirismo e de disciplina militar, em que os Oficiais Generais homenageiam o Presidente pela sua condição de Comandante Supremo das Forças Armadas. Ora, se essa é a realidade, então fica mais evidente a hipocrisia do ato, pois todos nós sabemos que a maior parte dos Oficiais Generais ali presentes e a totalidade do grupo político que acompanha o Presidente no almoço e, inclusive, ele próprio, gostariam de, naquele momento estar em outros lugares, fazendo outras coisas.
A confraternização só faz sentido em um conjunto onde reine a simpatia, a amizade, a identidade de pensamento. Não pode ser um mero ato de disciplina de subordinados para com seus superiores. Que o Presidente confraternize com seus simpatizantes políticos está certo, assim como é saudável a confraternização entre militares, que formam um conjunto homogêneo, em nome da tradição e para fortalecer a camaradagem que deve existir entre eles.
Mas, no caso do almoço, o que presenciamos, de fato?
De um lado, Oficiais Generais com semblantes pesados, cumprindo um doloroso dever de estar ali, por ordem, a confraternizar com gente com quem não têm a menor afinidade. Engolem em seco a humilhação de ter que sorrir e, também por ordem, de bater palmas a discursos recheados de hipocrisia; de ter que dividir o espaço com alguns indivíduos que, no passado, eram inimigos e que, ao que tudo indica, continuam sendo; de ter que aturar um Ministro da Defesa que elogia o patriotismo, a abnegação, o espírito de sacrifício das Forças Armadas e, ao mesmo tempo, prestigia criminosos, como foi o caso na cerimônia de lançamento do “livro dos desaparecidos”; de ouvir esse Ministro prometer recursos para as Forças Armadas e remuneração justa a seus integrantes e, por baixo do pano, ir empurrando com a barriga as soluções, como uma espécie de castigo deliberado, principalmente aos Oficiais mais idosos e Reformados que, ostensivamente, criticam o governo.
De outro lado, o Ministro da Defesa exibe um ar de interessado nas questões da Defesa Nacional, mas, no fundo, está preocupado com as expectativas de protestos nos aeroportos e, ansioso, espera o término do almoço para tratar de outras coisas. Faz um discurso formal e delicado, deixando claro, entretanto, que nas Forças Armadas quem manda é ele.
Finalmente, o Presidente. Sentado à mesa, na posição de destaque, exibe um semblante sério, porém distante e enigmático. Ninguém sabe, exatamente, em que está pensando, enquanto um dos Comandantes de Força, representando os demais e em nome do conjunto, faz a sua alocução, como sempre advertindo sobre a precariedade das Forças Armadas, a falta de recursos, a baixa remuneração e os perigos da Amazônia, encerrando com palavras de esperança na capacidade do Presidente e na sua honesta vontade de resolver os problemas.
Enquanto ouve o discurso do Comandante de Força, o Presidente provavelmente lembra de seus tempos de “pé-rapado”, de quando tinha que chamar Sargento de “senhor”, se é que, alguma vez, teve autorização para se dirigir a algum Sargento. Lembra a sua condição de pouco instruído, sendo ali homenageado por um conjunto com instrução superior e muitas pós-graduações. Com esses pensamentos, o Presidente deve concluir que não tem porque sentir simpatia por aquela gente fardada ali presente. Eles são diferentes de seu círculo de simpatia, integrado por “sem-terras”, “margaridas”, beneficiários do Bolsa-Família, operários, catadores de papel e esmolambados de todo o tipo. Esses sim, são parecidos com ele; são, segundo ele mesmo já disse, “a sua gente”.
Do discurso do Comandante de Força, o Presidente, provavelmente, não ouviu nada, já que estava pensando em outras coisas. Na sua vez de falar, com aquela sua habilidade de só dizer coisas inúteis, o Presidente faz um esforço para elogiar as Forças Armadas, o dever militar, etc. Tudo de forma automática, não se percebe sinceridade na fala. Ao terminar, recebe um aplauso comportado dos Oficiais Generais que, no fundo, gostariam de estar vaiando.
Em resumo, para que serve esse almoço? Em minha opinião, ele não tem o menor cabimento nos dias atuais e deveria deixar de existir. Parece coisa de “Republiqueta”, pois não creio que exista em países do primeiro mundo.
Por outro lado, não sou contra a tradição das confraternizações de fim de ano, tanto no meio militar quanto no civil. Concordo, por exemplo, que em determinada Organização Militar, os Oficiais, liderados pelo Imediato ou Sub-Comandante, apresentem a seu Comandante os cumprimentos devidos. Da mesma forma, que os Comandantes, em grupo, apresentem a seus Comandantes Superiores as homenagens e esses aos de nível acima, até chegar ao Comandante de Força, que seria saudado pelos Oficiais Generais de quatro estrelas. Em minha opinião, os Comandantes de Força (Marinha, Exército e Aeronáutica) cumprimentariam, apenas, o Ministro da Defesa, devendo esse, em companhia dos demais Ministros e assemelhados, cumprimentar o Presidente. Admito, entretanto, que os Comandantes de Força compareçam à presença do Presidente da República para apresentar cumprimentos formais e desejar sucesso ao seu governo, em nome do bem do país.
É claro que os Comandantes de Forças não podem, por iniciativa própria, acabar com essa “tradição” do almoço, mas o Presidente pode e deve. Eu gostaria que ele próprio, assessorado por alguns de seus inúmeros assessores, pensasse no assunto e tomasse a decisão de sepultar esse almoço, que nada mais é do que uma demonstração de hipocrisia. Não gostamos de ser hipócritas e, portanto, agradecemos, desde já, ao Presidente se, em dezembro de 2008, não mais existir o antipático evento. Quanto à justificativa, ninguém precisa se preocupar, porque o Presidente é especialista em justificativas e, certamente, encontrará uma bem convincente para todos nós.
Brasília, em 27 de dezembro de 2007.
PRP
CMG (Ref.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário