terça-feira, 8 de abril de 2008

COMO DISSOLVER A SOBERANIA NACIONAL


COMO DISSOLVER A SOBERANIA NACIONAL
Carlos Chagas

As coisas sempre aparecem. Se quiserem expressão mais popular, o rabo da raposa sempre fica de fora do galinheiro, quando ela ataca. No primeiro semestre de 1982, três seminários foram realizados em Washington pelo Centro Acadêmico Woodrow Wilson, para tratar das repercussões da Guerra das Malvinas e da Nova Ordem Mundial que já se prenunciava, com a débacle próxima da União Soviética. Participaram convidados de toda a América Latina, entre políticos, banqueiros, professores universitários, lobistas e o resto da fauna.
Desses seminários saiu a idéia da criação do Diálogo Interamericano, fundado a 15 de outubro daquele ano por David Rockfeller, Robert McNamara, Cyrus Vance, outros representantes do establishment americano e significativas figuras da América Latina, integradas no esquema que redesenhava o mundo a partir do fim da bipolaridade. Nicolás Barletta, do Panamá, vice-presidente do Banco Mundial, Rodrigo Otero, ex-ministro da Fazenda da Colômbia, Oscar Camilión, depois ministro da Defesa do governo Menen, na Argentina e muitos outros. Agora o rabo da raposa: e Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e senador da oposição, representando "a nova esquerda".
O Diálogo Interamericano propunha estabelecer estruturas supranacionais para atuar no continente, vigiando as atividades militares e promovendo ações intervencionistas "sempre que necessário". O conjunto de medidas ficou conhecido como "Projeto Democracia" e foi anunciado pelo presidente Reagan.
Dez anos depois, o Diálogo Interamericano anunciou um plano para eliminar, a curto prazo, a soberania dos estados da América Latina, substituindo suas funções por uma rede de instituições supranacionais subordinadas aos interesses hegemônicos dos Estados Unidos, via Nações Unidas, FMI, ONU e uma série de Organizações Não Governamentais. Esse projeto baseava-se no argumento de que "a soberania dos estados nacionais não poderia constituir-se num escudo atrás do qual governos ou grupos armados poderiam esconder-se". Por coincidência, e até ironia, movimentos de guerrilhas no México, Colômbia, Peru e Guatemala passaram para a primeira página dos jornais, servindo para estimular as diretrizes do Diálogo Interamericano, forma de intimidação e erosão dos estados nacionais. Também foram incrementadas campanhas para a formação de nações indígenas independentes, como no caso dos Ianomami.
Nasceu o Nafta, Tratado de Livre Comércio entre o Canadá, os Estados Unidos e o México, com o objetivo de se estender até a Patagônia, ao tempo em que o então embrionário Mercosul passou a ser hostilizado. Outras ameaças aos estados nacionais foram feitas por parte do Diálogo Interamericano, quer dizer, dos EUA: suspensão da assistência econômica bilateral, embargo de exportações e importações vitais, suspensão de ajudas militares, de fornecimento de equipamentos e, finalmente, a possibilidade de intervenções militares. O modelo também previa privatizações, possibilidade total de especulação financeira e até recomendação de que deviam ser suspensos os direitos sociais de algumas constituições de países da América Latina, forma de "incrementar investimentos".
O Brasil incomodava, pela sua dimensão, constituindo as Forças Armadas brasileiras o maior obstáculo à concretização da Nova Ordem. Era presidente Fernando Collor de Mello, que não resistiu às pressões para minimizar a presença castrense em nossa realidade, mesmo depois do retorno à democracia. Foi quando começaram questionamentos a respeito da missão dos militares, infensos a aceitar a transformação de nosso território numa imensa fazenda exportadora de matérias-primas e de produtos semimanufaturados e subvalorizados.
Collor foi ameaçado de estrangulamento econômico e pressionado pelo então presidente Bush até para mandar tapar a chaminé natural que eventualmente, na Serra do Cachimbo, serviria para testes nucleares. Prosseguiram campanhas de desmoralização das Forças Armadas, que continuam hoje, lembrando-se entrevista recente do presidente do PFL, Jorge Bornhausen, em favor da diminuição drástica de nossos contingentes. Ao mesmo tempo, ganharam a opinião pública sugestões vindas lá de cima, em favor do emprego de Exército no combate ao narcotráfico, contrabando, violência urbana e, em breve, à prostituição infantil, aos camelôs e perueiros.
Depois de Fernando Collor haver cedido ao modelo a nós imposto lá de cima e de Itamar Franco haver resistido na medida do possível, FH tratou de recuperar o tempo perdido e impor o modelo que lhe foi ditado e ao qual aderiu em gênero, número e grau, centrado em duas vertentes:
1) A abertura completa da economia através de privatizações desmesuradas, do sucateamento da indústria, da estagnação da agricultura e da permissão para a especulação financeira predadora.
2) A desmoralização e a transmutação das Forças Armadas brasileiras em milícias policiais, porque superadas as duas décadas da ditadura, elas são o maior obstáculo à transformação de nosso país e de outros em colônia internacionalizada dos ricos.
Posto na presidência, FH tratou de recuperar o tempo perdido. Vem, como nenhum outro presidente latino-americano, dilapidando o Poder Nacional em favor da Nova Ordem a quem, na realidade, serve e presta contas.
Conforme denunciou em 1991, antes da era-sociológica, o general Osvaldo Muniz Oliva, então comandante da Escola Superior de Guerra, a erosão da soberania dos estados nacionais concentrou-se primeiro na insistência pelo reconhecimento de uma responsabilidade internacional relativa ao meio ambiente, com severas limitações ao direito de exploração e utilização racional e ecologicamente equilibrada dos recursos naturais. Esse objetivo cristalizou-se rapidamente na ação de ONGs engajadas nos interesses hegemônicos dos países ricos e determinou, dizemos nós, declarações que seriam cômicas se não fossem trágicas, como as do vice-presidente Al Gore, para quem o Brasil pensa que a Amazônia lhe pertence, mas engana-se. Outra obscena sustentação dos internacionalistas, já aplicada na África e na Ásia e então voltada para a América Latina foi, conforme o general Oliva, a ênfase excessiva aos perigos da explosão demográfica, para eles “com perigos maiores que os provocados pelas bombas nucleares". A Nova Roma teme a proliferação dos bárbaros, única forma de ser batida, como a Antiga.
A estratégia da Nova Ordem, depois de passar pelo alijamento das Forças Armadas como instituição nacional permanente, rejeita o ponto de vista de que o meio ambiente deve ser salvo pela ação e não pela inação e a inércia, como também acentuou o ex-comandante da ESG.
Para o Diálogo Interamericano, nada mais conveniente do que cercar a Amazônia, primeiro, depois o Pantanal, mais tarde o resto do continente. A América Latina serviria como imensa reserva de recursos naturais para exploração na medida das necessidades da superpotência, aqui se permitindo até pérfidos enclaves, no caso, as nações indígenas, verdadeiros jardins zoológicos a ser visitados por seus turistas, negando-se às populações silvícolas, mesmo com ressalvas, os benefícios da civilização.
Isso ocorre diante de nossos olhos, e por conta de parcela de nossas elites, que detém o governo. Outra motivação não teve a criação do Ministério da Defesa, contrário à tradição brasileira mas patamar fundamental para o alijamento das Forças Armadas das decisões nacionais. A mídia omite fatos tão claros do debate com a opinião pública, imaginando receber o seu quinhão no banquete dos poderosos. Quem quiser aprofundar-se no tema deve ler "O Complô", da editora EIR, escrito por um grupo de cientistas políticos latino-americanos e até norte-americanos. Será, no mínimo, um antídoto para a globalização e para a "Teoria da Dependência", cujo autor continua evoluindo. Um dia desses escreverá a "Teoria da Dissolução", que vem praticando.

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