domingo, 25 de janeiro de 2009

CREPÚSCULO DE UMA TRADIÇÃO VITAL


CREPÚSCULO DE UMA TRADIÇÃO VITAL


Já houve um tempo em que: o concludente do curso de oficial, egresso de nossas escolas militares, era chamado de alferes; as unidades de armas básicas, com maior mobilidade, eram denominadas ligeiras e como era marcial a saudação sem o capacete, boina ou quepe: se em deslocamento, apenas o choque decidido do coturno, no pé esquerdo, acompanhado do girar enérgico da cabeça descoberta para o local em que estivesse o superior hierárquico; se parado, tão somente o giro já explicitado.


A digressão formalística é fundamental para a questão polêmica: onde está hoje a marca da personalidade herdada de nossas tradicionais origens marciais? Ao longo do tempo, muito se copiou como se tudo estivesse dominado. Americanismos sem conta, até a cadência está mais inibida, como se o solado das botas fosse de camurça, cópia imperfeita do “irmão” do norte, imitações sem pé nem cabeça que não fazem jus ao legado de autenticidade, herdado dos usos e costumes de um passado soberbo vivido pelo Duque de Caxias e pelo Marques de Herval.


Como esses velhos “cabos de guerra”, e tantos outros, todos de reconhecido sentimento de brasilidade, se sentiriam hoje vendo o rol de quinquilharias que, no período republicano, se copiou de modelos estrangeiros? Até postos de hierarquia mais elevados foram importados, substituindo formas antológicas como: brigadeiro, marechal de campo e tenente general, que dizem muito mais das nossas raízes do que o plágio puro e simples de forças armadas que não têm nada a ver com o espírito forjado nos duros combates em Guararapes. Que o diga o bravo Brigadeiro Antônio de Sampaio, Patrono da Infantaria!


Resgatar, valorizar o “caseiro”, abrasileirar, por que não, o que já foi brasileiro? O gesto alienígena, sem cobertura, não seria mais lógica sua previsão em regulamento, tão somente, para responder ou saudar militares estrangeiros que o adotam? Agora, da forma como está incorporado, paradigma de continência e sinal de respeito de um belo costume, que remonta a tempo antigo de militâncias que só nos dizem respeito, está sendo tiranicamente relegado, o mesmo se dando com: a cadência, que despersonalizou; a nomenclatura de alguns postos, que perdeu em originalidade; a denominação “leve” que, traduzida ao pé da letra, substituiu forma até então consagrada para tipificar corpos de equipamento/armamento aliviado.


As tradições que distinguem nossas Forças Armadas constituem o último baluarte de resistência ao seu, já de longa data, desmanche material Com certeza, ao nosso soldado desaparelhado, será vital o esteio de referências genuínas para superar a humilhação, por um ou mais reveses, em diversificados campos de batalha. Sim, porque as ameaças aí estão. A Amazônia, hoje pulverizada por reservas indígenas, verdadeiros “kosovos nacionais”, ricas em “recursos vitais para a humanidade”, certamente comporá o palco da luta. Neste cenário vai pesar, como nunca, a virtude de uma memória autêntica, talvez a mais significativa reserva moral de um povo.


Na guerra de resistência, marcada pelo desgaste e de longa duração, serão as pequenas porém não menos significativas coisas da tradição que irão alimentar o espírito de nossa população, esta descendente atávica dos heróis das lutas contra os holandeses que, novamente com a guerrilha, será conduzida a enfrentar um inimigo, mais uma vez, muito melhor armado e equipado, agora integrante de uma”coalizão de soldados universais”, tudo graças ao amadorismo e à falta de visão estratégica que caracterizaram os últimos governos deste País.


Paulo Ricardo da Rocha Paiva
Coronel de Infantaria e Estado Maior

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