segunda-feira, 29 de junho de 2009

SAUDADE MATADEIRA


SAUDADE MATADEIRA

Percival Puggina





Não, leitor, não virei letrista de música sertaneja. Ocorreu-me este título para o que escreverei a seguir porque nos últimos dias, participando de diversos programas de rádio e tevê sobre a crise do Senado, tenho podido perceber certa nostalgia em relação à ditadura de Vargas e à “ditabranda” dos militares.



Não creio que devamos ser nostálgicos. A democracia ainda é o melhor caminho, malgrado o imenso esforço despendido por muitos detentores de poder político para desmoralizá-la e suscitar saudades dos regimes de exceção.



Por vezes, sinto como se estivéssemos acometidos de uma espécie de surdez seletiva, desconectada de determinadas frequências e sons. Eles são emitidos, mas não os ouvimos. É como se de nada valesse falar sobre o caráter malévolo e torpe das nossas instituições. Elas são consideradas perfeitas exceto pelo pequeno detalhe de ficarem muito aquém das mais despojadas expectativas. E a nada serve falar sobre isso porque o som entra por um ouvido e sai pelo – digamos assim – dedão do pé.



As melhores democracias, mesmo em tempos de sociedade de massa, são aquelas que atribuem a chefia do governo à maioria parlamentar. No grupo dos 20 países mais desenvolvidos, apenas os Estados Unidos são presidencialistas (e há muito tempo não são bem governados). Aliás, só a dolarização da economia mundial tem salvado os Estados Unidos da bancarrota.



Por si só, um bom sistema de governo – que separe Estado, governo e administração, e atribua o governo à maioria parlamentar – não cria o pleno emprego, não garante boas aposentadorias, não acaba com a burrice e não alfabetiza ninguém. Não torna dignos os pilantras nem dá brio aos covardes. Mas tem três méritos: encurta a vida do mau governo, permite que o bom governo governe e, junto com uma lei eleitoral compatível, aprimora a representação política. Há um século, no Brasil, esse sistema de governo ganha do presidencialismo na discussão e perde para os presidentes no jogo de braço.



Foi assim com Deodoro e Floriano, com Jango, com Sarney, com Collor, com Fernando Henrique, com Lula e não será diferente em 2010. Um dos resultados é a contínua deterioração da cena política nacional, que já experimenta algo semelhante ao estrago que o cachimbo fez na boca do inglês: a deformação está ficando enorme e parece não haver ortodontia política que a resolva.



E o brasileiro, o que pensa a média da opinião pública sobre isso? Bem, uma parte se divide entre fechar o Senado; outra não sabe qual é o assunto; e outra, ainda, morre de saudades.

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