segunda-feira, 20 de julho de 2009

Reflexões de um " Rabo de Turma "



Reflexões de um “Rabo de Turma”


Prezados Amigos Militares

Sou Aspirante a Oficial da turma Marechal Mascarenhas de Moraes, formada na AMAN no ano de 1972. Fui o 82º colocado em uma turma de 116 oficiais da Arma de Infantaria, o que me torna, no jargão militar, um (perdoem o termo chulo) “rabo de turma”, denominação usada no meio castrense para aqueles que se encontram no ultimo quarto de sua turma de formação. As idas para o Rio de Janeiro, infelizmente, sempre sobrepujaram a minha vontade de estudar. Assim, mercê de meu destino de apedeuta juramentado (rotulado já na década de 70), como diria o saudoso Odorico Paraguaçu, sinto-me muito à vontade para escrever essas linhas. Caso alguém concorde, será lucro. Caso discordem, poderão dizer: “ah, também, não se poderia esperar nada alem disso de um rabo de turma”! Creio que ninguém no nosso meio irá discordar que nós, militares, estamos um uma situação muito inferior em todos os aspectos às demais carreiras de Estado, incluídos aí os funcionários de órgãos criados pelos próprios governos militares, como a Policia Federal, por exemplo ou, até mesmo, a vetusta Policia Rodoviária Federal. As Forças estão sucateadas com viaturas velhas, embarcações obsoletas, aeronaves sem manutenção adequada, salários arrochados e, em função dessas mazelas, as vocações anestesiadas. Qual o aluno brilhante de um dos nossos Colégios Militares quer, nos dias de hoje, deseja seguir a carreira das Armas? Poucos, muito poucos, posso afirmar. Nos anos de 1994 e 1995 servi na DFA (Diretoria de Formação e Aperfeiçoamento) e, já naquela época, constatei alguns fatos no mínimo preocupantes. Exemplo: a Arma mais procurada na escolha era (ou ainda é, não saberia afirmar agora, após 13 anos de reserva) a Intendência. Não tenho absolutamente nada contra a Rainha de Logística, que realiza trabalho absolutamente edificante, mas entendo que, em principio, seria mais normal para um jovem que procura a carreira militar, escolher uma Arma combatente, por sua característica mais guerreira. Fui investigar por conta própria e, com a ajuda de alguns amigos, verifiquei que aquela escolha devia-se ao fato de os jovens cadetes identificarem na Intendência a Arma que lhes daria melhores condições para ocupar cargos no meio civil (?) ou maiores chances em concursos públicos. Mas, e a carreira militar? Ah, essa, em grande parte, seria apenas o primeiro degrau para outra caminhada. Fui verificar, então, que os cursinhos preparatórios para tais concursos estão apinhados de militares de todos os postos e graduações (especialmente os oficiais subalternos e intermediários e os sargentos mais modernos) e de todas as Forças (Marinha, Exército e Aeronáutica). A Academia de Concursos na Cinelândia, no Rio de Janeiro, em suas turmas noturnas, é um exemplo. Quem quiser confira.

E, afinal, qual a (s) explicação (ões) para tudo isso? Vou arriscar, como “rabo de turma”, elencar algumas poucas. Os jovens militares não vêem boas perspectivas financeiras para o futuro, não enxergam líderes incontestes (peço mil perdões aos meus amigos Generais) e, de quebra, sentem em alguns casos que correm o risco de, ainda no meio da carreira, mesmo se esforçando, ficarem relegados a segundo plano. No Exército, por exemplo, caso um jovem major não logre êxito em ingressar logo na ECEME (Escola de Comando e Estado Maior), será obrigado a levar sucessivas “caronas” (ser ultrapassado na promoção por oficiais mais modernos) daqueles que possuem o curso. Um eventual insucesso irá tirar o seu “élan” no meio da carreira. Porque essa odiosa diferença entre QEMAS e “mangas lisas”, denominação jocosa que denigre tantos jovens brilhantes? Porque não cursarem todos, como na Aeronáutica, onde basta um requerimento? Cabe observar que o concurso em questão, salvo melhor juízo, avalia principalmente os oficiais que redigem bem e possuem bom poder de síntese. Cito meu exemplo, que, como “rabo de turma”, passei no primeiro concurso, enquanto o primeiro da minha turma de Comunicações fez três concursos e não passou e o segundo da minha turma de Artilharia, que ficou reprovado em um e se recusou a prestar sequer um segundo. Isso, para ficar em apenas dois exemplos ocorridos com militares brilhantes. Poderia citar centenas de outros. Creio que, se Napoleão Bonaparte ressuscitasse no Brasil, teria certa dificuldade em ser aprovado na ECEME, haja vista que o pequeno Corso reconhecidamente não era pródigo nas letras. Era, pura e simplesmente, um gênio militar. Bem, no nosso Exército ele, provavelmente, permaneceria como cabo de Artilharia.

A essa altura, todos já devem estar entediados com tanta prolixidade e se perguntando: aonde ele quer chegar? E, agora, vou entrar na parte mais polêmica, que é externar a principal razão de nossas angústias. NÓS, MILITARES, ESTAMOS ASSIM, PRINCIPALMENTE, PORQUE SOMOS EXTREMAMENTE DESUNIDOS. Alguns falarão: “poxa, Saint-Clair, você esta pegando pesado demais. O que é isso, companheiro?” E eu vou explicar porque vejo as coisas dessa maneira. Após ir para a reserva, fui trabalhar na área de segurança no meio civil. Meu tempo na Policia do Exército e os cursos que tive oportunidade de realizar nessa área me proporcionaram essa oportunidade. Mercê dessas tarefas, lido diuturnamente com policiais civis, militares e federais. Todos, dentro de suas respectivas Forças, são extremamente corporativos (para o bem e, infelizmente, algumas vezes para o mal). Possuem, ainda, significativa representação parlamentar e sindicatos fortes, que lutam com vigor e sucesso em prol de suas agremiações. E nós? Ah, não podemos ter sindicatos, é verdade! Todavia, sempre que temos oportunidade de obter algum êxito, jogamos pela janela. Vou, mais uma vez, exemplificar. Em 2006 tivemos a eleição para a Presidência do Clube Militar do Rio de Janeiro, de longe a maior e mais forte agremiação de nosso meio. Tínhamos dois candidatos: o General de Exército R/1 Gilberto Figueiredo e o General de Brigada R/1 Paulo Assis. O primeiro, com sua chapa “Consolidar e Modernizar” tinha como principal objetivo revigorar o quadro do clube mediante a captação de novos sócios, motivando os recém formados na AMAN para ingresso no clube. Declarou na época: “em cada 500 Aspirantes que se formarem, se conseguirmos 60 será um bom percentual”. Nada tenho contra o General Figueiredo, mas, isso é um objetivo ambicioso? Tentar aumentar um pouco o quadro social?

Em contrapartida, o General Paulo Assis, com sua chapa, tinha, entre muitos objetivos, os seguintes: “participar do processo político em defesa dos valores éticos e morais, concitando a sociedade brasileira a expurgar do cenário político indivíduos envolvidos em crimes contra estes valores”, “afirmar que a solução da crise brasileira encontra-se no caminho do exercício do sistema democrático da escolha pelo voto” e outros objetivos semelhantes. Como o estatuto do Clube Militar veta o proselitismo político aberto, o General entendeu que não deveria ser muito explicito em certos aspectos. Mas, como a oportunidade já passou, posso revelar. A idéia era que fossem reunidos todos os clubes e círculos militares de oficiais e de subtenentes e sargentos do Brasil para que, juntos, indicássemos um representante comum em cada Estado da Federação (metade graduados e metade oficiais) e fizéssemos uma bancada com 27 Deputados Federais. Aí, teríamos uma força imensa no Congresso, com uma das maiores bancadas. Teríamos votos de sobra para tal, apenas com as famílias dos militares. Os objetivos eram tão elevados que o General Paulo Assis obteve o apoio dos Grupos Ternuma, Inconfidência, Emboabas, ANMFA e outros. Cabe acrescer que esse Estatuto do Clube é uma balela, pois todos tem conhecimento que a República e as Revoluções de 1922, 1924, 1930 e 1964 foram planejadas dentro do mesmo.

Aí, começaram as manobras políticas sujas, que incluíram a divulgação de uma declaração que o Paulo Assis deu de forma brincalhona na Brigada Pára-quedista quando falou que “PQD vota em PQD” e que foi divulgada por um PQD da outra chapa como uma ofensa a todos os pés-pretos.

Após todos esses acontecimentos e calúnias, a chapa de Paulo Assis foi derrotada por uma diferença mínima: 1998 votos para o General Figueiredo contra 1884 para o General Paulo Assis. Por curiosidade perguntei a alguns coronéis e generais indecisos em quem iriam votar e a imensa maioria declarou que votaria no General Figueiredo por ELE SER QUATRO ESTRELAS! A antiguidade, para alguns de nossos companheiros, parece ser mais importante que os nossos destinos a aspirações. E assim, por meros 114 votos em um colégio eleitoral de 11.500 associados, podemos dizer, como na música do João Nogueira, “foi mais um sonho que ficou para trás”.

Então, resta-nos seguir com essa vidinha de sempre, recebendo eventualmente um editorial da revista (que ninguém lê) do Clube tecendo algumas críticas ao governo, ver alguns dos nossos chefes lutarem por seu quinhão (vide José Albuquerque como Conselheiro da Petrobrás) e os libelos dos grupos acima descritos, que tem o efeito de um rato que ruge. Vamos nos contentar com o Bolsonaro vociferando sozinho para uma platéia de deputados desinteressados e abúlicos e fazer de conta que acreditamos que as coisas vão melhorar...que pena!

Agora cresce um movimento em torno de General Heleno, meu velho amigo do Tijuca Tênis Clube e, de longe, a maior liderança atual de Exército, para que o mesmo seja candidato a Presidente. É um delírio total. Será que, pelo menos o nosso estimado, genial e respeitado General Heleno não poderia tentar ser o próximo Presidente do Clube Militar para tentar viabilizar o que o General Paulo Assis tentou? Não sei. Afinal, sou apenas um “rabo de turma”.


Abraços a todos.


Saint-Clair Peixoto Paes Leme Neto – Tenente Coronel Inf QEMA



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