No rumo de uma crise institucional: Planalto instiga provocação em Roraima
Lorenzo Carrasco on 09 Maio, 2008 12:17:00
Lorenzo Carrasco on 09 Maio, 2008 12:17:00
(AER) - A invasão da propriedade agrícola do prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartiero, dentro da área demarcada para a reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, por um grupo de índios ligados ao Conselho Indígena de Roraima (CIR), faz parte da resposta orquestrada às declarações do general Augusto Heleno Ribeiro, comandante militar da Amazônia, que rotulou de "confusa e caótica" a política indigenista do governo federal. Embora não se possa acusar o Palácio do Planalto pela orquestração, é certo que os altos círculos governistas estão bem informados sobre a reiterada agenda de provocações das redes do CIR, interessadas em criar um clima de radicalização e confronto aberto, com o qual esperam ganhar espaços na mídia e apoio internacional - como mostra o incidente de 4 de maio, no qual dez indígenas saíram feridos do confronto com os funcionários da fazenda de Quartiero.
Ademais, é clara a intenção de criminalizar os rizicultores locais, dos quais Quartiero é o líder, sendo a palavra rizicultor já mencionada na mídia com a mesma ênfase semipejorativa conferida aos madeireiros em outras regiões da Amazônia, depois que a própria ministra do Meio Ambiente Marina Silva os rotulou publicamente como foras-da-lei.
Com isso, o governo está entrando em um terreno pantanoso e pode terminar caindo em uma armadilha construída durante anos pelo aparato das ONGs e interesses internacionais que já estabeleceram um enclave dentro do próprio governo, principalmente no Ministério do Meio Ambiente e na Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Ao não diferenciar entre política governamental e assuntos de Estado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está a caminho de cometer um grande erro político.
O governo já tem consciência de que as declarações do general Augusto Heleno estão acordando um sentimento patriótico em todo o País, acima de motivações político-partidárias, em torno da defesa da integridade e da soberania nacional, especialmente na Amazônia - fermento que tem se refletido na mídia. O velho truque de levantar contínua e artificialmente o tema das violações de direitos humanos pelo regime militar, como forma de enquadrar as instituições militares perante à opinião publica, não está funcionando mais.
A saída forçada do general Maynard Marques Santa Rosa do cargo de secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa, em setembro de 2007, após o seu posicionamento público contra a utilização das Forças Armadas para apoiar a Polícia Federal na retirada dos brasileiros não-índios da área Raposa Serra do Sol, já era uma evidência de uma inquietação militar que vem se desenrolando. Na ocasião, o general Santa Rosa explicitou que há resistência nas três Forças, chegando a dizer que seus colegas previam que haveria resistência armada da população local se ocorresse a operação de desocupação.
Assim, as autoridades federais não podiam alegar surpresa com as declarações do general Augusto Heleno, embora o presidente Lula tenha exigido explicações por intermédio do ministro da Defesa Nelson Jobim e, em uma retaliação indigna de um chefe de Estado, retardou ostensivamente o já previsto anúncio do reajuste dos salários dos militares. Não obstante, certamente, foi transmitido ao presidente da República que as declarações do general foram feitas com a plena autorização do Alto Comando do Exército, além de refletir uma posição consensual das Forças Armadas. Em uma palestra proferida no Clube Militar do Rio de Janeiro, dias depois, o general Augusto Heleno foi claro em definir que as Forças Armadas não servem a um governo específico, mas aos interesses superiores do Estado nacional brasileiro.
A essa posição das Forças Armadas se somou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de aprovar o pedido de limitar feito pelo governador roraimense José de Anchieta Júnior para suspender a ação da retirada, o que evitou, naquele momento, a grande probabilidade de um banho de sangue na área.
As declarações públicas feitas por alguns dos ministros do STF contra a demarcação contínua da reserva também manifestam um enfoque voltado para os interesses maiores do Estado, no tocante às aberrações da política ambientalista-indigenista. No pedido de liminar, o governador ressalta a solução de senso comum que já foi sugerida por nada menos que cinco comissões de alto nível que estudaram o assunto entre 1999 e 2005, representando todos os poderes da República e as Forças Armadas, a qual atenderia a todos os interesses legítimos das populações da área e aos interesses nacionais: a demarcação em áreas descontínuas, deixando de fora os dois municípios, as estradas e as fazendas de arroz, que perfazem não mais que 1% da área total.
Ao deferir o pedido, o ministro-relator Carlos Ayres Britto invocou a "premência do caso e do estado, que parece mesmo de conflagração", além de argumentar que "é fácil perceber que essa porção de 1% não compromete substancialmente a finalidade da demarcação. Mas pode comprometer a economia, a segurança e a ordem pública".
Era de se esperar que as ONGs indigenistas, como o CIR, que integra as redes do Conselho Mundial de Igrejas, órgão de coordenação ligado à Igreja Anglicana e à Monarquia britânica, tratassem de internacionalizar o conflito, tomando atitudes radicais. Para eles, estão em jogo milhões de dólares investidos em anos de ações ardilosamente planejadas para submeter a Amazônia a uma agenda de "governança global", na qual convergem interesses movidos por uma ideologia indigenista anticivilizatória e outros de caráter estratégico-econômico, mais voltados para os recursos naturais da região. Portanto, uma decisão do STF contra a demarcação em área contínua estabeleceria um sólido precedente jurídico para uma revisão da política de demarcação que trata a integridade do território nacional com absoluto desleixo.
Se ainda existia alguma dúvida sobre as intenções que movem os principais personagens envolvidos na campanha pela demarcação contínua, basta prestar atenção nas palavras de Júlio Macuxi, alto dirigente do CIR: "Queremos que seja aprovado um Estatuto Indígena que regulamenta a exploração das riquezas minerais, dos nossos recursos hídricos e que contempla outras áreas como educação e saúde. Não queremos ganhar migalhas de royalties, queremos vender o nosso produto ao Brasil. Também não queremos ganhar migalhas de royalties com a construção da hidrelétrica de Cotingo. Temos condição de construí-la e de vender energia ao Estado."
Vale recordar que o CIR é uma ONG internacional de fato e recebe apoio ostensivo de entidades governamentais estrangeiras, como a Norad, agência de apoio internacional do governo da Noruega, outras "quase governamentais", como a britânica Oxfam, e mega-ONGs ambientalistas como The Nature Conservancy (a maior ONG do mundo, com ativos que superam um bilhão de dólares) e o Greenpeace. A natureza e o montante desse apoio internacional são um mistério para a sociedade brasileira, já que o governo não dispõe de instrumentos legais, nem vontade política, para torná-lo público.
Se é natural a reação da rede ambientalista-indigenista, não se pode considerar da mesma forma a atitude do governo federal, que, em lugar de esperar a palavra final do Supremo, no mínimo, fez vista grossa para a mobilização ostensiva daqueles grupos e somente mobilizou a Policia Federal e a Força Nacional de Segurança, por ordem do ministro da Justiça Tarso Genro, para atuar como uma autêntica policia pólitica post facto, prendendo Paulo César Quartiero sob a acusação de formação de quadrilha. Inclusive, para evitar que o prefeito fosse posto em liberdade por um juiz do estado, decidiu-se transladá-lo a Brasília, com uma presteza que não é comum nem mesmo em casos envolvendo criminosos de alto calibre.
No dia seguinte à invasão da propriedade de Quartiero, o ministro Tarso Genro visitou a área e se deixou fotografar abraçado com lideranças indígenas que seguem a orientação do CIR, como se fosse um ato de justiça. A conivência do governo federal com a ação do CIR culminou no dia seguinte, com um ato teatral no Palácio do Planalto, no qual o presidente Lula, ao lado de um representante da ONG, rebatia as críticas do general Augusto Heleno. Simultaneamente, em um surto de idolatria, a ministra Marina da Silva, a representante mais graduada do aparato ambientalista-indigenista dentro do governo, qualificou a demarcação da Raposa-Serra do Sol como um "avanço civilizatório", pois, em sua visão delirante, pode converter-se em uma nova Jerusalém, como um "ponto de referência" de todos os povos indígenas.
É importante destacar que o general Augusto Heleno nunca se posicionou contra os índios na Amazônia, mas contra o aparato de ONGs internacionais e nacionais que manipulam os indígenas para outros propósitos inconfessáveis.
Como se percebe, a disputa pela área Raposa-Serra do Sol está provocando não apenas uma crise política, mas o choque institucional entre duas visões sobre os interesses nacionais: uma, do grupo no poder, que procura se perpetuar e, com uma visão distorcida da democracia, pensa que pode se impor sobre os princípios de soberania, justiça e bem-estar geral da sociedade; outra, a das instituições que ainda se empenham em representar os autênticos interesses do Estado nacional, no caso, as Forças Armadas e o próprio STF.
Os interesses oligárquicos internacionais que criaram e têm instrumentalizado o movimento ambientalista-indigenista como uma forma nova de colonialismo sabem que, nessa campanha, o importante é derrotar a vontade nacional de defender a soberania.
Seja como for, a palavra final está com o Supremo e, a julgar pela inclinação dos ministros da corte, a começar pelo relator Ayres Britto, é de se esperar que a famigerada Portaria 534/05 do Ministério da Justiça, que determinou a demarcação contínua, seja revogada em favor de um novo dispositivo legal de demarcação descontínua. Se isto ocorrer, será um grande revés para o aparato indigenista e um triunfo das forças nacionalistas que se opõem a semelhantes esquemas de "governança global", cujas repercussões poderão ser bem maiores do que as da derrota do Estatuto do Desarmamento, em 2005.
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