Subject: causos da Infantaria
Raimundo Floriano
Insígnia de Subtenente do Exército
As piadas da caserna se repetem a cada ano, podendo ser adaptadas a qualquer tempo, espaço, posto ou graduação. O que vou fazer aqui não é contar mais uma, e sim lembrar grandes amigos dos velhos tempos, de quem não tenho notícia há mais de quatro décadas, desde que fui licenciado.
O Subtenente é militar escolado, traquejado, disciplinado e competente, qualidades sem as quais jamais alcançaria a mais alta graduação no âmbito das praças. Se o Capitão Comandante de Subunidade representa o pai da dos recrutas, o Subtenente, por ser mais vivido e mais experiente, poderia ser o avô, aquele sujeito bacana, compreensivo, que quebra qualquer galho. Nos três anos em que atuei como Furriel, Sargento que cuida da folha de pagamento dos praças, exerci minhas funções na Reserva – sala de trabalho do Subtenente e Almoxarifado da Companhia, cujo material emprestado só sai dali mediante cautela, uma espécie de recibo –, onde convivi com três excepcionais chefes, todos mineiros.
Na Companhia de Petrechos Pesados - 1, do 12º Regimento de Infantaria, em Belo Horizonte, MG, comecei, recém-saído da EsSA, com o Subtenente Bertucci – só me recordo do seu nome de guerra –, um ex-combatente, que atuou no Teatro de Operações na Itália. Logo em seguida, após sua promoção a 2º Tenente e transferência para outra Unidade, veio o Subtenente Assis Dias Brasil, Saco B – militar que, convocado para a guerra, chegou até a embarcar, mas, antes de chegar a destino, o conflito acabou –, que muito me ensinou para o bom desempenho de minhas atribuições profissionais e contribuiu sobremaneira na minha formação moral. Vou contar um caso envolvendo o Subtenente Bertucci. Foi no ano de 1958, quando o 12º Regimento de Infantaria, o Doze de Ouro, passava do sistema hipomóvel para o motorizado.
Vocês não avaliam o rebu que tocou nas Reservas dos Subtenentes, em especial nas Companhias de Petrechos Pesados - CPP, cujos morteiros e metralhadoras eram transportados nos lombos dos muares.
Na Reserva da CPP-1, não tínhamos tempo para dizer arroz. Deveríamos recolher, em curto espaço de tempo, todo o material a substituir, como carroças, reboques, cozinhas portáteis, selas, cangalhas, brides, cabrestos, rédeas, focinheiras, antolhos e o escambau, além dos mencionados muares. Tudo isso registrado minuciosamente, no Livro-Carga, ficando toda a operação sob o comando e a responsabilidade do Subtenente da Companhia, ou seja, do Subtenente Bertucci.
Esse, assoberbado com tantos afazeres, era constantemente interrompido por algum dos envolvidos na operação, trazendo-lhe problemas os mais diversos. Por isso, tomou uma atitude assaz acertada. Toda a vez que lhe aparecia qualquer desses enrolados, ele sustinha sua lengalenga, dando-lhe a terrível ordem: "TRAGA ISSO POR ESCRITO!" Não falhava, o sujeito saía, encontrava uma solução para o caso e nunca mais voltava à Reserva com mais outro.
Mas essa tática não funcionou com o Cabo Rufino, que labutava com os muares lá nas baias. Certo dia, ele chegou nervoso na Reserva e começou um interminável blablablá, interminável não, porque o Sub o cortou com a ordem: "ESCREVA ISSO!" O Cabo Rufino retirou-se, mas não demorou. Em pouco tempo, estava ele de volta com seu relato:
"PARTICIPO-VOS QUE O BURRO 45, VULGO BONIFÁCIO, ENTROU ALOPRADO NO NOSSO DORMITÓRIO, LÁ NAS CAVALARIÇAS, ZURRANDO E ESCOICEANDO, O QUE RESULTOU NA QUEBRA DE UM POTE DE BARRO E DE UMA MORINGA DO REFERIDO METAL."
O Subtenente Brasil muito me orientou para o Exército e para a Vida. Era um estudioso da Língua Portuguesa, o que me fez também tomar gosto pela boa leitura e até a comprar o meu primeiro dicionário, um Aurélio, que me acompanhou de 1958 até janeiro de 1972, quando a Reforma Ortográfica acabou com o acento diferencial, tornando-o obsoleto.
A nossa Reserva era, portanto, uma sala de estudo, pois estávamos constantemente tirando as nossas dúvidas e as dos colegas que nos procuravam. Dispúnhamos, para fornecimento ao pessoal escalado para serviço externo, de dois tipos de armas de cano curto: o revólver SMITH & WESSON e a pistola COLT, ambos de calibre 45.
Pois bem, eis que, senão quando, aparece-nos o Terceiro Sargento Baldomero, Ferrador, com esta preciosidade de cautela: "RESSEBÍ DA REZERVA DA CPP-1, PARA O SERVIÇO DE PATRULHA NA ZBM, UM REVOLVER CIMITE OESSE, CALIBRE 45".
Ao ler o documento, o Subtenente Brasil não conteve sua perplexidade e chamou o Sargento no saco:
– Sargento Baldomero, esta cautela está eivada de erros!
O Sargento tirou o corpo fora:
– Seu Sub, a culpa não é minha. Quem datilografou isso foi o Cabo Laurentino, eu só fiz assinar!
O Subtenente insistiu:
– Mas como é que você assina um documento sem ler antes? Os outros erros até que dão pra passar, mas este CIMITE está demais da conta!
Baldomero não se deu por achado:
– Pois é, Seu Sub, na hora eu até falei para o Laurentino: "Cabo Velho, esse CIMITE é com C cedilhado!"
O terceiro foi o Subtenente Haroldo Batista, já na Polícia do Exército de Brasília. Um espelho para todos nós. Natural de Patos de Minas, bem mais novo que os já citados, atualizado, culto e bem-humorado, participava – sem perder a autoridade, nem quebrar a liturgia do cargo – de todas as brincadeiras e jogos no Alojamento e no Cassino dos Sargentos, quando estávamos aquartelados, de prontidão – e isso, no início dos anos 60 era mais comum que o período de normalidade. Árduos tempos.
Como os que prestaram o serviço militar devem saber, todo Cabo é "Cabo Velho" e todo Subtenente é "Seu Sub". Na Aeronáutica, por exemplo, os Suboficiais são assim nomeados: Sub Bessa, Sub Pereira, Sub Martins, etc. Pois bem, o Subtenente Haroldo, que topava qualquer parada, qualquer contratempo, jamais admitiu que o chamassem de Sub. Não tenho notícia de outro que assim procedesse. E a exceção era para todos, do Comandante ao Corneteiro.
Se um subordinado desatento o chamasse de Sub, imediatamente ele o enquadrava: "Tome a posição de sentido para falar comigo." E, em seguida, dava-lhe uma mijada daquelas. Se fosse um superior seu, aí sim, ele é que tomava a posição de sentido, se apresentava e inquiria: "Sub o quê, Meu Senhor? Subsolo, submarino, sub-raça? Eu Sou é Subtenente do Exército, de acordo com a lei!"
Desarmava qualquer cristão!
ACONTECEU NA EsSA
Para os que não serviram, vai ser difícil captar a sutileza do lance que ora narro. Por isso, achei de bom alvitre dar uma pequena explicação, antes de enfiar a cara no sucedido.
De acordo com os regulamentos militares, a tropa também faz continência ao deslocar-se, olhando à direita ou à esquerda, conforme o local em que esteja o oficial, quer seja Tenente ou Marechal. Deu pra entender? Então, prossigamos.
Na EsSA - Escola de Sargentos das Armas, a quantidade de oficiais transitando por suas ruas – ruas sim, porque a Escola é uma pequena cidade – é deveras marcante. E o aluno tem que ficar atento para prestar as honras, sob o risco de ter uma anotação desabonadora na sua ficha ou, no mínimo, levar uma mijada.
Certa manhã primaveril, lá ia o Aluno Abdala, na função de Chefe da Turma B-8, conduzindo a mencionada para a sala de aula. De repente, não mais que de repente, surge-lhe um superioríssimo, caminhando em sentido contrário. Então, o nosso herói emitiu o comando:
– Turma, sentido! Olhar à esqueeeeeerdá!
E já ia levar a mão à pala – só o que comanda é que faz a continência –, quando percebe ser a autoridade apenas um Subtenente. Mas o Abdala era esperto, sabia se virar, não acusou o golpe. Daí, lascou em alta voz:
– Turma, ultima foooooorma! Subtenente não tem direeeeeeitô!
Insígnia de Subtenente do Exército
As piadas da caserna se repetem a cada ano, podendo ser adaptadas a qualquer tempo, espaço, posto ou graduação. O que vou fazer aqui não é contar mais uma, e sim lembrar grandes amigos dos velhos tempos, de quem não tenho notícia há mais de quatro décadas, desde que fui licenciado.
O Subtenente é militar escolado, traquejado, disciplinado e competente, qualidades sem as quais jamais alcançaria a mais alta graduação no âmbito das praças. Se o Capitão Comandante de Subunidade representa o pai da dos recrutas, o Subtenente, por ser mais vivido e mais experiente, poderia ser o avô, aquele sujeito bacana, compreensivo, que quebra qualquer galho. Nos três anos em que atuei como Furriel, Sargento que cuida da folha de pagamento dos praças, exerci minhas funções na Reserva – sala de trabalho do Subtenente e Almoxarifado da Companhia, cujo material emprestado só sai dali mediante cautela, uma espécie de recibo –, onde convivi com três excepcionais chefes, todos mineiros.
Na Companhia de Petrechos Pesados - 1, do 12º Regimento de Infantaria, em Belo Horizonte, MG, comecei, recém-saído da EsSA, com o Subtenente Bertucci – só me recordo do seu nome de guerra –, um ex-combatente, que atuou no Teatro de Operações na Itália. Logo em seguida, após sua promoção a 2º Tenente e transferência para outra Unidade, veio o Subtenente Assis Dias Brasil, Saco B – militar que, convocado para a guerra, chegou até a embarcar, mas, antes de chegar a destino, o conflito acabou –, que muito me ensinou para o bom desempenho de minhas atribuições profissionais e contribuiu sobremaneira na minha formação moral. Vou contar um caso envolvendo o Subtenente Bertucci. Foi no ano de 1958, quando o 12º Regimento de Infantaria, o Doze de Ouro, passava do sistema hipomóvel para o motorizado.
Vocês não avaliam o rebu que tocou nas Reservas dos Subtenentes, em especial nas Companhias de Petrechos Pesados - CPP, cujos morteiros e metralhadoras eram transportados nos lombos dos muares.
Na Reserva da CPP-1, não tínhamos tempo para dizer arroz. Deveríamos recolher, em curto espaço de tempo, todo o material a substituir, como carroças, reboques, cozinhas portáteis, selas, cangalhas, brides, cabrestos, rédeas, focinheiras, antolhos e o escambau, além dos mencionados muares. Tudo isso registrado minuciosamente, no Livro-Carga, ficando toda a operação sob o comando e a responsabilidade do Subtenente da Companhia, ou seja, do Subtenente Bertucci.
Esse, assoberbado com tantos afazeres, era constantemente interrompido por algum dos envolvidos na operação, trazendo-lhe problemas os mais diversos. Por isso, tomou uma atitude assaz acertada. Toda a vez que lhe aparecia qualquer desses enrolados, ele sustinha sua lengalenga, dando-lhe a terrível ordem: "TRAGA ISSO POR ESCRITO!" Não falhava, o sujeito saía, encontrava uma solução para o caso e nunca mais voltava à Reserva com mais outro.
Mas essa tática não funcionou com o Cabo Rufino, que labutava com os muares lá nas baias. Certo dia, ele chegou nervoso na Reserva e começou um interminável blablablá, interminável não, porque o Sub o cortou com a ordem: "ESCREVA ISSO!" O Cabo Rufino retirou-se, mas não demorou. Em pouco tempo, estava ele de volta com seu relato:
"PARTICIPO-VOS QUE O BURRO 45, VULGO BONIFÁCIO, ENTROU ALOPRADO NO NOSSO DORMITÓRIO, LÁ NAS CAVALARIÇAS, ZURRANDO E ESCOICEANDO, O QUE RESULTOU NA QUEBRA DE UM POTE DE BARRO E DE UMA MORINGA DO REFERIDO METAL."
O Subtenente Brasil muito me orientou para o Exército e para a Vida. Era um estudioso da Língua Portuguesa, o que me fez também tomar gosto pela boa leitura e até a comprar o meu primeiro dicionário, um Aurélio, que me acompanhou de 1958 até janeiro de 1972, quando a Reforma Ortográfica acabou com o acento diferencial, tornando-o obsoleto.
A nossa Reserva era, portanto, uma sala de estudo, pois estávamos constantemente tirando as nossas dúvidas e as dos colegas que nos procuravam. Dispúnhamos, para fornecimento ao pessoal escalado para serviço externo, de dois tipos de armas de cano curto: o revólver SMITH & WESSON e a pistola COLT, ambos de calibre 45.
Pois bem, eis que, senão quando, aparece-nos o Terceiro Sargento Baldomero, Ferrador, com esta preciosidade de cautela: "RESSEBÍ DA REZERVA DA CPP-1, PARA O SERVIÇO DE PATRULHA NA ZBM, UM REVOLVER CIMITE OESSE, CALIBRE 45".
Ao ler o documento, o Subtenente Brasil não conteve sua perplexidade e chamou o Sargento no saco:
– Sargento Baldomero, esta cautela está eivada de erros!
O Sargento tirou o corpo fora:
– Seu Sub, a culpa não é minha. Quem datilografou isso foi o Cabo Laurentino, eu só fiz assinar!
O Subtenente insistiu:
– Mas como é que você assina um documento sem ler antes? Os outros erros até que dão pra passar, mas este CIMITE está demais da conta!
Baldomero não se deu por achado:
– Pois é, Seu Sub, na hora eu até falei para o Laurentino: "Cabo Velho, esse CIMITE é com C cedilhado!"
O terceiro foi o Subtenente Haroldo Batista, já na Polícia do Exército de Brasília. Um espelho para todos nós. Natural de Patos de Minas, bem mais novo que os já citados, atualizado, culto e bem-humorado, participava – sem perder a autoridade, nem quebrar a liturgia do cargo – de todas as brincadeiras e jogos no Alojamento e no Cassino dos Sargentos, quando estávamos aquartelados, de prontidão – e isso, no início dos anos 60 era mais comum que o período de normalidade. Árduos tempos.
Como os que prestaram o serviço militar devem saber, todo Cabo é "Cabo Velho" e todo Subtenente é "Seu Sub". Na Aeronáutica, por exemplo, os Suboficiais são assim nomeados: Sub Bessa, Sub Pereira, Sub Martins, etc. Pois bem, o Subtenente Haroldo, que topava qualquer parada, qualquer contratempo, jamais admitiu que o chamassem de Sub. Não tenho notícia de outro que assim procedesse. E a exceção era para todos, do Comandante ao Corneteiro.
Se um subordinado desatento o chamasse de Sub, imediatamente ele o enquadrava: "Tome a posição de sentido para falar comigo." E, em seguida, dava-lhe uma mijada daquelas. Se fosse um superior seu, aí sim, ele é que tomava a posição de sentido, se apresentava e inquiria: "Sub o quê, Meu Senhor? Subsolo, submarino, sub-raça? Eu Sou é Subtenente do Exército, de acordo com a lei!"
Desarmava qualquer cristão!
Para os que não serviram, vai ser difícil captar a sutileza do lance que ora narro. Por isso, achei de bom alvitre dar uma pequena explicação, antes de enfiar a cara no sucedido.
De acordo com os regulamentos militares, a tropa também faz continência ao deslocar-se, olhando à direita ou à esquerda, conforme o local em que esteja o oficial, quer seja Tenente ou Marechal. Deu pra entender? Então, prossigamos.
Na EsSA - Escola de Sargentos das Armas, a quantidade de oficiais transitando por suas ruas – ruas sim, porque a Escola é uma pequena cidade – é deveras marcante. E o aluno tem que ficar atento para prestar as honras, sob o risco de ter uma anotação desabonadora na sua ficha ou, no mínimo, levar uma mijada.
Certa manhã primaveril, lá ia o Aluno Abdala, na função de Chefe da Turma B-8, conduzindo a mencionada para a sala de aula. De repente, não mais que de repente, surge-lhe um superioríssimo, caminhando em sentido contrário. Então, o nosso herói emitiu o comando:
– Turma, sentido! Olhar à esqueeeeeerdá!
E já ia levar a mão à pala – só o que comanda é que faz a continência –, quando percebe ser a autoridade apenas um Subtenente. Mas o Abdala era esperto, sabia se virar, não acusou o golpe. Daí, lascou em alta voz:
– Turma, ultima foooooorma! Subtenente não tem direeeeeeitô!
Insígnia de Subtenente do Exército
As piadas da caserna se repetem a cada ano, podendo ser adaptadas a qualquer tempo, espaço, posto ou graduação. O que vou fazer aqui não é contar mais uma, e sim lembrar grandes amigos dos velhos tempos, de quem não tenho notícia há mais de quatro décadas, desde que fui licenciado.
O Subtenente é militar escolado, traquejado, disciplinado e competente, qualidades sem as quais jamais alcançaria a mais alta graduação no âmbito das praças. Se o Capitão Comandante de Subunidade representa o pai da dos recrutas, o Subtenente, por ser mais vivido e mais experiente, poderia ser o avô, aquele sujeito bacana, compreensivo, que quebra qualquer galho. Nos três anos em que atuei como Furriel, Sargento que cuida da folha de pagamento dos praças, exerci minhas funções na Reserva – sala de trabalho do Subtenente e Almoxarifado da Companhia, cujo material emprestado só sai dali mediante cautela, uma espécie de recibo –, onde convivi com três excepcionais chefes, todos mineiros.
Na Companhia de Petrechos Pesados - 1, do 12º Regimento de Infantaria, em Belo Horizonte, MG, comecei, recém-saído da EsSA, com o Subtenente Bertucci – só me recordo do seu nome de guerra –, um ex-combatente, que atuou no Teatro de Operações na Itália. Logo em seguida, após sua promoção a 2º Tenente e transferência para outra Unidade, veio o Subtenente Assis Dias Brasil, Saco B – militar que, convocado para a guerra, chegou até a embarcar, mas, antes de chegar a destino, o conflito acabou –, que muito me ensinou para o bom desempenho de minhas atribuições profissionais e contribuiu sobremaneira na minha formação moral. Vou contar um caso envolvendo o Subtenente Bertucci. Foi no ano de 1958, quando o 12º Regimento de Infantaria, o Doze de Ouro, passava do sistema hipomóvel para o motorizado.
Vocês não avaliam o rebu que tocou nas Reservas dos Subtenentes, em especial nas Companhias de Petrechos Pesados - CPP, cujos morteiros e metralhadoras eram transportados nos lombos dos muares.
Na Reserva da CPP-1, não tínhamos tempo para dizer arroz. Deveríamos recolher, em curto espaço de tempo, todo o material a substituir, como carroças, reboques, cozinhas portáteis, selas, cangalhas, brides, cabrestos, rédeas, focinheiras, antolhos e o escambau, além dos mencionados muares. Tudo isso registrado minuciosamente, no Livro-Carga, ficando toda a operação sob o comando e a responsabilidade do Subtenente da Companhia, ou seja, do Subtenente Bertucci.
Esse, assoberbado com tantos afazeres, era constantemente interrompido por algum dos envolvidos na operação, trazendo-lhe problemas os mais diversos. Por isso, tomou uma atitude assaz acertada. Toda a vez que lhe aparecia qualquer desses enrolados, ele sustinha sua lengalenga, dando-lhe a terrível ordem: "TRAGA ISSO POR ESCRITO!" Não falhava, o sujeito saía, encontrava uma solução para o caso e nunca mais voltava à Reserva com mais outro.
Mas essa tática não funcionou com o Cabo Rufino, que labutava com os muares lá nas baias. Certo dia, ele chegou nervoso na Reserva e começou um interminável blablablá, interminável não, porque o Sub o cortou com a ordem: "ESCREVA ISSO!" O Cabo Rufino retirou-se, mas não demorou. Em pouco tempo, estava ele de volta com seu relato:
"PARTICIPO-VOS QUE O BURRO 45, VULGO BONIFÁCIO, ENTROU ALOPRADO NO NOSSO DORMITÓRIO, LÁ NAS CAVALARIÇAS, ZURRANDO E ESCOICEANDO, O QUE RESULTOU NA QUEBRA DE UM POTE DE BARRO E DE UMA MORINGA DO REFERIDO METAL."
O Subtenente Brasil muito me orientou para o Exército e para a Vida. Era um estudioso da Língua Portuguesa, o que me fez também tomar gosto pela boa leitura e até a comprar o meu primeiro dicionário, um Aurélio, que me acompanhou de 1958 até janeiro de 1972, quando a Reforma Ortográfica acabou com o acento diferencial, tornando-o obsoleto.
A nossa Reserva era, portanto, uma sala de estudo, pois estávamos constantemente tirando as nossas dúvidas e as dos colegas que nos procuravam. Dispúnhamos, para fornecimento ao pessoal escalado para serviço externo, de dois tipos de armas de cano curto: o revólver SMITH & WESSON e a pistola COLT, ambos de calibre 45.
Pois bem, eis que, senão quando, aparece-nos o Terceiro Sargento Baldomero, Ferrador, com esta preciosidade de cautela: "RESSEBÍ DA REZERVA DA CPP-1, PARA O SERVIÇO DE PATRULHA NA ZBM, UM REVOLVER CIMITE OESSE, CALIBRE 45".
Ao ler o documento, o Subtenente Brasil não conteve sua perplexidade e chamou o Sargento no saco:
– Sargento Baldomero, esta cautela está eivada de erros!
O Sargento tirou o corpo fora:
– Seu Sub, a culpa não é minha. Quem datilografou isso foi o Cabo Laurentino, eu só fiz assinar!
O Subtenente insistiu:
– Mas como é que você assina um documento sem ler antes? Os outros erros até que dão pra passar, mas este CIMITE está demais da conta!
Baldomero não se deu por achado:
– Pois é, Seu Sub, na hora eu até falei para o Laurentino: "Cabo Velho, esse CIMITE é com C cedilhado!"
O terceiro foi o Subtenente Haroldo Batista, já na Polícia do Exército de Brasília. Um espelho para todos nós. Natural de Patos de Minas, bem mais novo que os já citados, atualizado, culto e bem-humorado, participava – sem perder a autoridade, nem quebrar a liturgia do cargo – de todas as brincadeiras e jogos no Alojamento e no Cassino dos Sargentos, quando estávamos aquartelados, de prontidão – e isso, no início dos anos 60 era mais comum que o período de normalidade. Árduos tempos.
Como os que prestaram o serviço militar devem saber, todo Cabo é "Cabo Velho" e todo Subtenente é "Seu Sub". Na Aeronáutica, por exemplo, os Suboficiais são assim nomeados: Sub Bessa, Sub Pereira, Sub Martins, etc. Pois bem, o Subtenente Haroldo, que topava qualquer parada, qualquer contratempo, jamais admitiu que o chamassem de Sub. Não tenho notícia de outro que assim procedesse. E a exceção era para todos, do Comandante ao Corneteiro.
Se um subordinado desatento o chamasse de Sub, imediatamente ele o enquadrava: "Tome a posição de sentido para falar comigo." E, em seguida, dava-lhe uma mijada daquelas. Se fosse um superior seu, aí sim, ele é que tomava a posição de sentido, se apresentava e inquiria: "Sub o quê, Meu Senhor? Subsolo, submarino, sub-raça? Eu Sou é Subtenente do Exército, de acordo com a lei!"
Desarmava qualquer cristão!
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