LEMBRANDO UM PASSADO REPUBLICANO
JORGE E. M. GEISEL
Júlio de Castilhos,Borges de Medeiros, João Neves da Fontoura, Oswaldo Aranha, Flores da Cunha, Gaspar da Silveira Martins, Joaquim Francisco Assis Brasil, Demétrio Ribeiro, Fernando Abbot, Pinheiro Machado, Gumercindo Saraiva, José Antônio Matos Neto, conhecido como General Zeca Netto, Honório Lemes e muitos outros gaúchos ilustres do passado republicano, traçaram as linhas da História enfrentando-se como leões na defesa de seus postulados políticos. Liberais ou republicanos positivistas, arvoravam-se defensores de federalismos, desiguais em quesitos de sistemas de governo, mas idênticos em relação ao grandioso conteúdo filosófico que institucionalizou a fundação da República em Federação.
O empobrecido estudo de nossa História, mais envolvido hoje em função das difusões ideológicas dolorosamente maniqueístas, amestradas pela ignorância e pelos maus propósitos, tem roubado de nossa infância e juventude a grande oportunidade de conhecer a obra de nossos melhores antepassados locais, regionais e nacionais, que oferecem bons exemplos de virtudes e que poderiam enobrecer seus sentimentos cívicos de honra e de amor ao torrão natal.
Na terra do Rio Grande do Sul, os governos residiam em padrões de decência, de retidão, de verdadeira moral política. Naquela época, nem os cofres do Banco do Brasil abriam-se aos favores por adesão política e nem a centralização tributária hiperbólica manietavam os Estados-membros da Federação, com seus reflexos danosos em perdas de autonomias confederativas. Mas, de certa forma, já eram esboçadas, como sério problema e discussões políticas acaloradas, até hoje sem solução definitiva, de uma partilha das rendas entre União e as unidades federativas. "Quanto ao Rio Grande, ele não deve inquietar-se, porque já se habituou, de longa data, a trabalhar e viver per se", já comentara Borges de Medeiros.
Naquelas paragens altaneiras, as disputas de homens e partidos eram frontais, de peito descoberto. As lanças, espadas e armas de fogo, decoravam as salas de visita das cidades e das rústicas estâncias, de prontidão farroupilha - um aviso prévio como o livre voar do quero-quero. Não havia lobistas, advocacia administrativa, compra e venda de apoios legislativos. Não se via, em páginas de imprensa ou nas tribunas, acusações a adversários de pleitos aviltados ou de covardia comprada por dinheiro...A política era constituída pelos mais capazes da ipsocracia rio-grandense.
Para que se tenha uma idéia da política gaúcha, na época dos chimangos e maragatos,repassamos alguns tópicos de importância da carta-circular reservada de Borges de Medeiros, aos chefes locais do Partido Republicano, orientando-lhes sobre a escolha das candidaturas de Getúlio Vargas e João Neves da Fontoura, para presidente e para vice-presidente do Estado no qüinqüênio 1928-1933 :
“Tratarei de expor sumàriamente os motivos que me levaram a preferir esses dois notáveis rio-grandenses a tantos outros que compõem a brilhante plêiade de servidores públicos, que se impuseram ao apreço e consideração geral.
A primeira cogitação, que nos deve preocupar, é a de assegurar a necessária continuidade política e administrativa, que tem sido a mais notável característica do governo rio-grandense e que é, porventura, a mais sólida garantia de ordem e progresso.
Mas a satisfação dessa necessidade orgânica exige da parte dos governantes o preenchimento de requisitos especiais, que se podem consubstanciar nos seguintes:
1º - o perfeito conhecimento teórico e prático do regime constitucional, cuja preservação deve ser artigo de fé inviolável, ressalvada a possibilidade de reformas secundárias, como as que se fizeram em 1922 e 1924; (Refere-se à Constituição Rio-Grandense...)
2º - a completa subordinação às normas e disciplina do Partido Republicano, cuja organização está identificada com a do próprio Estado, a ponto de não conceber-se a vida normal de um sem o apoio do outro;
3º - a comprovada competência jurídica, indispensável ao exercício regular da prerrogativa presidencial de legislar sobre o Direito judiciário em geral e sobre os serviços imanentes ao Estado;
4º - a capacidade administrativa revelada no exercício de funções públicas federais, estaduais e municipais, eletivas ou não, contanto que de elevada hierarquia;
5º - as qualidades práticas de atividade, firmeza, prudência e energia, indispensáveis ao trato dos negócios em geral, e mormente nas relações que envolvam o interesse público;
6º - a incorruptível moralidade privada e pública, assim como o prestígio individual perante a sociedade e as correntes políticas, a fim de que o governante se imponha ao acatamento público menos pela força material que por sua autoridade moral.”
Pode-se não concordar com os aspectos positivistas do republicanismo doutrinado por Júlio de Castilhos e por ele estatuídos na Constituição do Rio Grande, postos em prática pelas sucessivas reeleições de Borges de Medeiros na presidência do Rio Grande. Os federalistas, os maragatos, sob inspirações liberais de Gaspar da Silveira Martins, de Assis Brasil e de Rui Barbosa, lutaram com todas as armas contra o regime castilhista, que denominavam de “ditadura republicana”. Mas, nenhum deles, incluindo os próprios chimangos, imaginariam ser possível substituir os Estados Unidos do Brasil por uma república federativa de fancaria, governada por inescrupulosos e incompetentes. E, muito menos ainda, que os requisitos moralistas da carta-circular de Borges parecessem em 2008, uma simples tirada de mau humor guasca.
27/01/2008
terça-feira, 29 de janeiro de 2008
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