Notícias Militares

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Revivendo práticas arcaicas




Revivendo práticas arcaicas, por Paulo Brossard*




O presidente Luiz Inácio tem dito que elegerá seu sucessor, e com a cobertura publicitária de que desfruta, sem precedentes, não estou a revelar nenhum segredo de Estado; em outras palavras, ele se arrogou a prerrogativa de batizar a candidata em pessoa de sua confiança, chefe da Casa Civil, servidora no próprio Palácio do Planalto; pelos dizeres do presidente, e o fez de maneira unilateral, usou de verba testamentária; fiz porque quis; ressalvados alguns muxoxos, a seleção foi acolhida mais pelo silêncio do que pelo entusiasmo, sinal de que o doador tinha domínio da matéria.
O certo é que indigitada herdeira passou a usufruir tratamento paraoficial; a prática de certos atos foi cometida a ela com a devida publicidade; como a época é dos marqueteiros, sua indumentária, que não era má e era elegante, recebeu um visual de modernidade, cores alegres, senão joviais; o cabelo, que é muito em uma mulher, passou a receber toque gracioso e que, na ausência de melhor palavra, pode dizer-se alvissareiro; até os óculos, que lhe ficavam bem, foram trocados por lentes de contato; segundo a imprensa, responsável por azia ao presidente, sic, anunciou operação jubilatória aproveitados os feriados de passagem de ano, para aperfeiçoar predicados físicos, aliás nunca deslouvados da quase presidente, ao que parece, mercê de tesoura, agulha e linha, dos atuais fazedores de estadistas.
Como ainda estamos sob o império de Machado de Assis, ocorre-me lembrar que a ele se deve o admirável apólogo A agulha e a linha, que merece ser lido ou relido. Esquecia-me de lembrar que até ao Papa foi levada a herdeira presuntiva e lá esteve exibindo a protocolar mantilha negra.Por que estou a lembrar fatos atuais e paradomésticos, sem ter sequer ideia de interpretá-los, pois o próprio presidente já deu a sua, e ele e só ele faz o sucessor, e escolhe a suposta sucedida?
Em outros tempos, disso se dizia "o escolhido foi tirado do bolso do colete do coronel", agora não sei como é seu apelido. Contudo, do fato me ocupo pelas semelhanças ocorridas há 80 anos e há 60 anos.
É sabido e ressabido que o presidente Washington Luiz, com o fito declarado de assegurar a continuidade do seu plano de estabilização monetária, interferiu na escolha de seu sucessor, ilustre político de São Paulo, com ele afinado, Júlio Prestes, quebrando a regra consuetudinária de alterar com um mineiro, que era por todos os títulos eminente, o presidente de Minas, Antônio Carlos.
A reação ensejou a candidatura Getúlio Vargas-João Pessoa, sugerida por Minas, acolhida pelo Rio Grande oficial e com o voto decisivo de Assis Brasil. Operou-se o milagre da Frente Única, depois de 40 anos de frontal e rude separação manchada por duas revoluções. E o resto é conhecido. A derrota nas urnas; a vitória nas armas. O assassínio de João Pessoa, por motivos nada políticos, a revolução, a posse de Vargas, que, ao aproximar-se o termo da presidência, oficialmente se despediu da nação.
Dois meses depois, a 10 de novembro de 1937, o golpe, a instalação de Estado Novo, a ditadura pura e simples só encerrada em 1945 e formalizado o seu termo com a Constituição de 1946, o restabelecimento da federação, sabe Deus como, em 1947. Ele também tinha um candidato "já eleito". Pois agora o testador verificou que a sua escolhida não tem crescido a despeito de todos os emplastros nela aplicados. Será por acaso, como quem não quer nada, que o arguto testador deixou escapar a fisgada? Honni soit qui mal y pense.Mas há outro aspecto a considerar.
A Justiça Eleitoral tem sido atenta, até zelosa, em relação a excessos grandes e miúdos. Ora, a munificência real com que vem sendo aquinhoada a favorita do presidente que anuncia sua eleição, meses antes do início da campanha, pode passar incólume sem ser vista pela Justiça Eleitoral? Não sei. Haverá aí propósito oculto? Mero pensamento ou propósito nem tanto dissimulado? Responda quem souber.
*Jurista, ministro aposentado do STF

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