Já não podemos dizer nada!Sandra CavalcantiEm 14 de de abril de 1930, aos 36 anos, Vladimir Maiakóvski, o maiorpoeta russo da era contemporânea, deu um fim trágico à suaatormentada vida. Matou-se porque perdeu toda a esperança e se viudiante de uma estrada sem saída.Sua obra é absolutamente revolucionária, como revolucionárias eram assuas idéias. Mas o poeta, dizia ele, por mais revolucionário queseja, não pode perder a alma!Ele acreditou piamente na Revolução Russa e pensou que um mundomelhor surgiria de toda aquela brusca e violenta transformação. Aos poucos, porém, foi percebendo que seus líderes haviam perdido a alma.A brutalidade crescia. A impunidade era a regra. O desrespeito às criaturas era a norma geral. Toda e qualquer reação resultava em maisiniqüidades, em mais violência. Um stalinismo brutal assolou a pátriarussa. Uma onda avassaladora de horror e impotência tomou conta deseu espírito, embora ainda tentasse protestar. Mas foi em vão. Rendeu-se e saiu de cena.Em 1936, escreveu Eduardo Alves da Costa o poema No caminho comMaiakóvski, que resume sua desoladora tragédia."... Na primeira noite eles se aproximam/ e roubam uma flor/ de nossojardim./ E não dizemos nada./ Na segunda noite, já não se escondem:/pisam as flores,/ matam nosso cão,/ e não dizemos nada./ Até que umdia,/ o mais frágil deles/ entra sozinho em nossa casa,/ rouba-nos aluz e,/ conhecendo nosso medo,/ arranca-nos a voz da garganta./ E jánão podemos dizer nada."Nestes tristes tempos, muitos estão vivendo as angústias desabafadasneste poema. Também acreditaram em líderes milagrosos, tiveramesperanças em dias mais serenos, esperaram por oportunidades melhorese sonharam com paz e alegria. Nunca imaginaram que, em seu lugar,viriam a impunidade, a violência, o rancor e a cobiça. Os quechegaram ao poder, sem nenhuma noção de servir ao povo, logorevelaram a sua verdadeira face.O País está vivendo uma fase de completo e total desrespeito às leis.A Lei Maior, aquela que o País aprovou por meio de seusrepresentantes, não existe. Para uns, todas as leniências. Paraoutros, todos as violências. Nas grandes cidades, dois governos, duasautoridades: a tradicional e a dos marginais. No campo, ausência dedireitos e deveres. Uma malta de desocupados, chefiados por líderesatrevidos e até debochados, está conseguindo levar o desassossego e ainsegurança aos milhões de trabalhadores rurais que ali se esforçampara sobreviver. Isso já vem acontecendo há muito tempo e não hásinal de que alguma autoridade pretenda submetê-los às penas da lei.Ao contrário. Eles gozam de imenso prestígio junto ao presidente, quenão se acanha em lhes dar cobertura e agir com a maior cumplicidade.A ausência das autoridades tem sido o grande estímulo para que essesgrupos, e outros que vão surgindo, venham conseguindo, num crescendode audácia e desrespeito, levar o pânico aos que vivem do trabalho nocampo. A mesma audácia impune garante também a expansão dasquadrilhas de narcotraficantes em todo o País. A cada dia que passaeles chegam mais perto de nós. Se examinarmos com atenção osacontecimentos destes últimos dois anos, dá para entender o nossomedo.Quando explodiu o caso do Waldomiro Diniz, as autoridades estavam naobrigação de investigar tudo e dar uma punição exemplar. O que seviu? Uma porção de manobras para encobrir os fatos e manter osesquemas intocáveis. E qual foi a reação do povo? Nenhuma.Roubaram uma flor de nosso jardim, a flor da decência, da dignidade,da ética, e nós não dissemos nada!Quando, da noite para o dia, dezenas de deputados largaram suaslegendas e se bandearam para as hostes do governo, era precisoexplicar tão misteriosa adesão. O que se viu? Uma descarada edesafiadora alegria no alto comando do País! E qual foi a reação dopovo? Nenhuma.Eles nem se esconderam. Pisaram em nossas flores, mataram o cão quenos podia defender. E nós não dissemos nada!Quando um parlamentar, que integrava a tal maioria, veio denunciar ouso de recursos públicos, desviados de forma indecente, com aconivência dos altos ocupantes do governo, provando que a direção doPT e do governo sabiam de tudo e de tudo se haviam aproveitado, qualfoi a reação do povo? Nenhuma.Eles nem se importaram com o fato de terem sido descobertos. O maisfrágil deles entrou em nossa vida, roubou a luz de nossas esperançase, conhecendo o nosso medo, ainda se deu ao luxo de arrancar a nossavoz da garganta!Será que vamos aceitar? Não vamos dizer nada? Será que o povobrasileiro perdeu de vez a sua capacidade de se indignar? A suacapacidade de discernir? A sua capacidade de punir?Acho que não. Torço para que isso não esteja acontecendo. Sinto, poronde ando e por onde vou, que lá no mar alto uma onda de nojo estácrescendo, avolumando-se, preparando-se para chegar e afogar essesaventureiros. Não se trata, simplesmente, de uma questão eleitoral.Não se cuida apenas de ganhar uma eleição. O importante é não perdera alma. O direito de sonhar. A vontade de viver melhor.Colocar este momento como uma simples luta entre governo e oposição émuito pouco. E derrotá-los, simplesmente, também é muito pouco,diante do crime que eles praticaram contra as esperanças de um povode boa-fé.O que vai hoje na alma das pessoas é o corajoso sentimento de que épreciso vencer o pavor e o pânico diante da audácia dessa gente, nãopermitindo que eles nos calem para sempre. Se não forem enfrentados,se não forem punidos, se seus métodos e processos não foremrepudiados, nosso futuro terá sido roubado. Nossa voz terá sidoarrancada de nossa garganta.E já não poderemos dizer nada.Sandra Cavalcanti, professora, foi deputada federal constituinte,secretária de Serviços Sociais no governo Lacerda, fundadora epresidente do BNHE-mail: sandra_c@ig.com.br
segunda-feira, 7 de abril de 2008
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