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terça-feira, 31 de março de 2009

1964, uma reflexão


1964, uma reflexão
Jarbas Passarinho

O reitor Jacques Dehaussy, da Universidade de Dijon, na França, ao fim dos anos 70 do século passado, presidiu simpósio sobre o Papel Extramilitar das Forças Armadas no Terceiro Mundo. Cientistas políticos e mestres universitários dedicaram-se ao exame da incidência dos golpes de Estado no Terceiro Mundo, violando a subordinação dos militares ao poder civil. Ainda que os Anais de Tácito não se prestem a tirar conclusões sociológicas de todos os eventos por ele vividos na decadência do Império Romano, distinguem-se as modalidades das intervenções, segundo o epílogo do simpósio. As mais arcaicas originam-se do caudilhismo, das ditaduras puramente pessoais, ou da defesa dos privilégios da profissão. Outras — reconheceram os participantes do estudo do tema — responderam ao apelo vindo de fora dos quartéis, dos civis que invocaram a consciência dos militares, ou a impaciência deles para com os desmandos do poder civil.
Participei de dois golpes de Estado, um como tenente, cumprindo ordem superior, e outro coordenando-o como tenente-coronel, no Pará. No primeiro, depusemos o ditador Getúlio Vargas, em 1945. O poder civil não se fez respeitado, mas logo restabelecido na subordinação dos militares ao Supremo, para presidir a redemocratização do país. O general José Pessoa, em nome do Exército, foi à casa do ministro José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal, e em nome das Forças Armadas convidou-o a assumir o governo e convocar eleições, que logo se realizaram.
O segundo golpe proveio do “apelo dos civis à consciência dos militares” para com os desmandos do governo e uma ameaça, em plena guerra fria, de aliança do governo com os comunistas. No Pará, onde eu servia, havia-nos preparado para prevenir um autogolpe de Jango, aliado a Prestes, intentando o estado de sítio e a reforma arbitrária da Constituição, enquanto paralelamente Leonel Brizola pregava o fechamento do Congresso. A aliança com o PCB, de que Prestes era o primeiro-secretário, conta-a Luiz Carlos Prestes no livro Prestes, lutas e autocríticas, por ele ditado a Dênis de Moraes, da sua grei. Revela, ademais, que Jango, em plena expansão do comunismo internacional, “até já compreendia o papel que exercia a União Soviética”.
Fixamo-nos no plano de resistência ao que um comunista, que não deforma a história, denominou de pré-revolução, com apoio dos líderes sindicais e dos sargentos. Em Brasília, sargentos da Aeronáutica e da Marinha, armados, tomaram, em setembro de 1963, o quartel dos fuzileiros, ocuparam os ministérios e os órgãos de comunicação. Travaram luta com tropas do Exército, com mortes, até se renderem. Em março de 64, outro motim. O dos marinheiros no Rio de Janeiro. Os fuzileiros navais que, de ordem do ministro da Marinha, foram mandados para prendê-los, solidarizaram-se com os amotinados.O presidente aceitou a demissão do ministro e o substituiu por outro simpático aos revoltosos.
A disciplina e a hierarquia, pilares de qualquer força armada, desmoronadas transformaram os amotinados em bandos armados prestigiados pelo próprio presidente da República. No livro de Prestes, há uma passagem em que Jango quis apresentar-lhe uma dezena de generais que lhe seriam leais. Prestes diz que nunca foi apresentado aos generais, mas que “Jango se enganava com eles, pois lhe conhecia a postura anticomunista”.
A desordem civil e a amotinação dos militares graduados já eram parte da disputa pelo poder. Que mais faltava para conquistá-lo? A imprensa, com a única exceção da Ultima Hora, clamou pelo afastamento do presidente Goulart. No Rio de Janeiro, o Correio da Manhã, no dia 30 de março, clamava, na primeira página: “O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual. Agora basta!”. No dia seguinte: “Só há uma coisa a dizer ao senhor João Goulart: saia!”. O Correio não estava só. O JB, em editorial, levanta a suspeita de ameaça comunista: “Quem quisesse preparar um Brasil nitidamente comunista não agiria de maneira tão fulminante quanto o sr. João Goulart a partir do comício de 13 de março”.
Da mesma ameaça trataram editoriais de O Globo. A Folha de S.Paulo, em face do comício, em que as bandeiras da foice e martelo desfilavam na frente do palanque de Goulart, desafiava: “Resta saber se as Forças Armadas ficarão com o presidente, traindo a Constituição, ou defenderão as instituições e a pátria”. O prestigioso jornal Estado de Minas se antecipara. A 18 de março, alertava: “A sorte está lançada. Ninguém tem mais o direito de iludir-se. Abrem-se agora dois caminhos ao Brasil: a democracia e o comunismo”. Em São Paulo, a passeata “com Deus e pela Liberdade”, liderada pelas mulheres contou com quase 1 milhão de civis e religiosos. Goulart, no auge da agitação e da falência da disciplina militar, proferiu, dia 30 de março, exaltado discurso no encontro com um milhar de sargentos, que o homenageavam no Automóvel Clube do Rio de Janeiro. Prestes comenta no livro: “Qual é o oficial do Exército que vai ficar tranquilo sabendo que o presidente da República se dirige, naquela linguagem, aos sargentos?”. Jango detonou a contrarrevolução, apoiada maciçamente pelo povo. Não houve um só tiro disparado.
São passados 45 anos. Hoje, a contrapropaganda da esquerda ousa negar provas indesmentíveis. A verdade incomoda e a isso não voltarei. É inútil convencer mitômanos, a serviço dos resíduos do comunismo fracassado.
Foi ministro de Estado, governador e senador

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