Notícias Militares

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Variações sobre opinião pública


Variações sobre opinião pública

Jarbas Passarinho

Foi ministro de Estado, governador e senador



O nobre deputado federal Sérgio Moraes, do Rio Grande do Sul, quase monopolizou, certamente sem que isso lhe agradasse, o noticiário da mídia na semana passada, ao expressar-se vigorosamente que se lixava para a opinião pública. Mas não o fez, dirigindo-se a um de seus pares ou na intimidade de um diálogo. Ouço que é deputado de primeiro mandato, ainda não afeito aos cuidados que políticos tarimbados têm ao tratar com a imprensa. Disseram-no colérico. Eu diria, ao vê-lo televisionado, apenas indignado, as palavras ardentes.

Lembrou-me um episódio descrito no livreto The Wit of Sir Winston. O líder dos tories irritara um representante do Labor Party que, em altos brados, dirigiu-lhe áspera resposta. Tão indignado que suas palavras escachoantes tornavam ininteligível o que proferia. Churchill retrucou, amável e irônico: “Meu honorável amigo, aconselho-o a não deixar-se dominar por tanta indignação que não possa contê-la”. O deputado Moraes não chegou a isso. Se a cólera o tentou, prevalece há mais de 20 séculos a lição de Sêneca: “A cólera é natural. Extirpá-la completamente é impossível, embora desejável, mas perderíamos toda a nossa energia. Desejável é moderá-la, evitar seus excessos, mas conservá-la ao serviço de nossas ações justas”.

É de justiça reconhecer que assim o fez o nobre parlamentar, quando assomou outra vez à tribuna. Reconheceu ter sido infeliz. Dignamente pediu desculpas, mas logo acrescentou que não retirava o que dissera. Altivo como um chefe farrapo diante de Caxias, na rendição dos farroupilhas. Daqui para frente, navegará com o cuidado e a perícia que os competentes navegadores gregos conduziam seus barcos entre Scylla e Caribdes, para não chocar-se com o rochedos nem com a falta de calado.

A minha experiência de mais de 30 anos de vida pública ensinou-me a conviver com a imprensa. Quando líder de governo, ela estava quase toda simpática à oposição, compreensível que era a opinião pública cansada da duração do ciclo militar. Eu mesmo senti a fadiga de material e o ânimo declinante dos que nos haviam apoiado maciçamente até 1973. Não tinha prestígio para influir nas decisões do Palácio. Se tivesse, minha opinião, expressada a quem me veio ouvir, o ciclo teria se encerrado ao fim do governo Médici, as guerrilhas urbanas desbaratadas e a economia com índices que sou tentado a plagiar o presidente Lula, afirmando que “jamais tivera este país, em toda a sua história, resultados tão excelentes.”

Tomo por testemunho o nosso hoje presidente, entrevistado pelo historiador Ronaldo Costa Couto, em 1989, a quem disse: “Médici ganharia qualquer eleição direta. Por quê? Porque nós trabalhadores escolhíamos o emprego que queríamos”. Ninguém, contudo, escapa das rugas da velhice nem das injustiças dos homens.

Ontem, li de um jornalista como descreveu, para seu jornal no Rio, a cerimônia da despedida, do serviço ativo do Exército, do honrado e incomum exemplo de devotamento à pátria, o general de Exército Paulo César Castro. A breve notícia condenava o general porque, entre outras verdades, no seu discurso elogiou o presidente Médici. Segundo o julgamento do repórter, “no governo de Médici dezenas de oposicionistas foram desaparecidos”. Igualou-o a tiranos como Stalin, a quem talvez admire. Prudente, escondeu do texto que os que diz oposicionistas eram guerrilheiros comunistas. Inverídico, desconhece que, no governo Médici, guerrilheiros, como o deputado Genoíno, foram presos e encaminhados a Brasília. Não houve “oposicionistas desaparecidos”.

Por vezes, nós políticos temos razão de queixas. Na maioria, não. Um caso me marcou em defesa de uma repórter. A matéria de sua autoria, publicada, distorcia fato importante citado na entrevista que lhe concedi. Queixei-me. Meia hora depois ela me trazia um bloco de anotações, no qual escrevera corretamente o que eu lhe tinha dito e assim remetera para o jornal carioca. Aprendi, então, que a redação se dera ao luxo de “esquentar” o que eu dissera.

Tenho, também, vários exemplos de parlamentares que dizem uma coisa sendo entrevistados e depois negam ter dito. Pega mal, publicado. Testemunhei caso em que a queixa foi descabida, porque eu mesmo ouvira as expressões que pronunciara. A imprensa fornece o que lhe foi dito, e isso influi na opinião pública. O deputado Moraes teria o direito de não se importar com a repercussão do seu pensamento expressado, mas não é nenhum Churchill que disse, sem criar polêmica, “que não há opinião pública, mas opinião publicada”.

Há exemplos de igual coragem, sem temer represália. De José Bonifácio, o mestre Boni, de direção de TV, li há poucos dias, numa ampla crônica de defesa da memória de Simonal, cuja carreira artística foi destroçada pela calúnia de que era informante do SNI, esta dura frase: “Ele nunca foi julgado e vaiado pelo público, mas pela própria classe dele e pelos veículos de comunicação”. Mas no caso se tratou de uma depravação do papel da imprensa, influenciada pela perversidade ideológica. A dura constatação do deputado Moraes, dirigida à imprensa que o ouvia: “Vocês batem em nós, mas nos reelegemos”. E às vezes com dezenas de milhares de votos. É verdade. Mostra como a opinião pública é volúvel.

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