quinta-feira, 27 de agosto de 2009
ENQUANTO POSSO
Enquanto posso
Jarbas Passarinho
Foi ministro de Estado, governador e senador
Duas hospitalizações por doenças graves, que em regra geral levam ao porto de onde se embarca para as viagens de que não há retorno, e ainda convalescendo pouco mais que precariamente, tento cumprir dois deveres, um fraternal e outro político-memorialístico, este quando ainda satisfaço ao teste de velhice inventado por Cícero.
O primeiro refere-se ao general Del Nero Augusto, que Deus nos levou faz cerca de um mês, quando minha enfermidade, dadas as restrições médicas, me impediram de saber a infausta notícia, a fim de poupar-me de abalo sentimental na ocasião. Tive-o agora. Perdi um amigo com a dor que se sente perder um pouco de nós próprios, daqueles que, por suas qualidades morais, Sheakespeare disse que à nossa alma devemos prender com colchetes de aço. Conheci-o no dealbar do terceiro milênio, quando tive a honra de prefaciar-lhe o mais bem escrito livro histórico que cobre os períodos de atuação extraconstitucional, ou não, dos militares ao longo dos momentos turbulentos da vida nacional.
Embasado em intimidade com a literatura marxiana e também antimarxista, descreveu as três tentativas armadas de os comunistas dominarem o Brasil. Ótimo que o tenha feito como advertência aos que o general Del Nero chamou de “jovens idealistas equivocados”, para não virem mais tarde a sofrer dolorosos arrependimentos, frutos da “paixão revolucionária” de que fala, amargurado, François Furet, no Passado de uma ilusão. Sereno, mas fiel às suas convicções, desprezou os fanáticos que são nutridos de ódio ideológico, o mais perverso dos ódios.
Deixa-nos o general Del Nero um exemplo de vida, acendrado amor à pátria e o dever de não desesperar da natureza humana, capaz de todas as grandezas e das mais baixas torpezas.
Acompanhei muito pouco — e felizmente — as ocorrências lastimáveis que têm dominado o noticiário sobre o Senado, que presidi em 1981/82, e onde, representando o Pará, desfrutei três mandatos. Dez anos fora dele passei na direção de quatro ministérios da República. De onde em onde, um ou outro debate provocava minha memória e despertava o desejo de manifestar-me. Inutilmente, depois que li, num de seus constantes improvisos, o presidente da República manifestar a suspeição que lhe causam os conceitos políticos expressados por idosos.
Venci o preconceito porque posso dizer, enquanto me resta o tempo de vida que Deus me concede, porque vivi intimamente o turbulento período marcado pelo ciclo militar, no qual tive a companhia de políticos da maior envergadura moral, definidos por Marx Weber como os que “vivem para a política e não da política”. Entre eles se destacava José Sarney, cujo currículo, para nós honroso, se iniciava com a origem entre os jovens, mas já respeitados democratas da “ bossa nova da UDN”. Nunca o vira contestado senão por adversários aliados a certo soba do Maranhão. Entre os que lhe são ainda aliados li algo que precisa ser desmentido em protesto dos fatos históricos indesmentíveis. Sempre voltados contra os militares, ousou o declarante inventar que José Sarney, se mais não fez pelo Maranhão e pelo Brasil, teria sido porque sempre sofreu oposição no ciclo militar, desde que, democrata inconsútil, protestou contra a edição do AI-5. Além de seu signatário, acompanhei de perto a discussão do Ato. Protesto respeitoso, que o presidente me mostrou a ler, fora de cinco senadores, tendo como 1º signatário Daniel Krieger.
Os radicais pressionaram ao máximo o presidente para cassar Krieger, mas ele jamais concordou. Todos continuaram na Arena. Rondon Pacheco, chefe da Casa Civil, da total confiança de Costa e Silva, me disse que nenhum outro tipo de protesto contra o AI-5 chegou ao presidente. Deve ser nisso que o intrigante levantou a falsa hipótese. Dois fatos outros destroem a leviandade. Testemunhei-os. No governo Geisel, houve decisão de refazer todo o Diretório Nacional da Arena. Duas vagas Geisel destinou ao Maranhão, uma especificamente para o senador Sarney, que recusou porque, para a outra, fora indicado Vitorino Freire, seu desafeto. Geisel, então, foi além de respeitar sua recusa. Provocou 18 renúncias no Diretório, para preencher uma única, a fim de reconvocar o senador e elegê-lo presidente da Arena. Haveria maior prova de apreço ao senador Sarney, se os chefes militares não o prestigiassem? Finalmente, outro testemunho vivido por mim. Ao fim das medidas de Geisel para a abertura, haveria de emendar a Constituição, revogando todas as medidas de exceção, particularmente o AI-5. Quem o governo escolheu para relator da emenda, senão o senador José Sarney?
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