terça-feira, 4 de agosto de 2009
RONDON E O HERÓI DA LAPA
Rondon e o Herói da Lapa
Hiram Reis e Silva*,
Porto Alegre, RS, 03 de Agosto de 2009.
“Por isso é que na minha sala, no ‘Conselho Nacional dos índios’,
fica o retrato de Gomes Carneiro na parede, sobre minha cabeça,
quando sentado à minha mesa de trabalho...” (Rondon)
- O Herói da Lapa
Antonio Ernesto Gomes Carneiro, militar brasileiro, nasceu na antiga cidade do Cerro Frio hoje Serro, em Minas Gerais, a 28 de novembro 1846. Iniciou a formação escolar na sua cidade natal e deu continuidade aos estudos no Seminário de Diamantina e depois em Curvelo. Fazia o curso de Humanidades no mosteiro dos Beneditinos, no Rio de Janeiro, quando se alistou como soldado no Corpo de Voluntários da Pátria, para combater na Guerra do Paraguai.
Durante a guerra, conquistou os postos de primeiro-sargento e alferes, por bravura, sendo ferido três vezes em combate. Ao término da guerra, voltou ao Brasil, matriculando-se na Escola Militar em 1872. Chefiou a Comissão Construtora de Linhas Telegráficas na ‘marcha para oeste’, de 1890 a 1892, onde recrutou o então tenente Rondon.
Em 1893, com a eclosão da Revolução Federalista, as forças lideradas pelos maragatos ocuparam o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Carneiro foi convocado a partir para o sul e suas tropas foram cercadas na cidade da Lapa, Paraná, em um dos mais célebres episódios da vida militar brasileira, conhecido como ‘Cerco da Lapa’. Foram 24 dias de resistência. Havia três mil sitiantes, comandados pelo gaúcho Gumercindo Saraiva, contra novecentos sitiados.
Gomes Carneiro, no dia 7 de fevereiro, foi atingido por um projétil no fígado e mesmo ferido e desenganado pelo médico, dizia a seus oficiais: ‘Há uma ordem só: resistência a todo transe’. Morreu dois dias depois, em 9 de fevereiro de 1894, um dia antes de ser promovido a general de brigada, por bravura. Apesar da derrota de Carneiro, a resistência da Lapa definiu o lado vencedor, pois atrasou o avanço de Gumercindo e permitiu que as tropas legalistas se organizassem e derrotassem posteriormente os federalistas assegurando a manutenção do governo de Floriano e a da República.
- ‘Resistir até a morte’
‘(...) só a Lapa resistia tenazmente, uma das poucas páginas dignas e limpas de todo aquele enxurro de paixões. A pequena cidade tinha dentro de suas trincheiras o Coronel Gomes Carneiro, uma energia, uma vontade, verdadeiramente isso, porque era sereno, confiante e justo. Não se desmanchou em violências de apavorado e soube tornar verdade a gasta frase grandiloquente: resistir até a morte’. (Escritor Afonso Henriques de Lima Barreto)
- O Amado Mestre do Sertão - Rondon (1890)
“Tinha Gomes Carneiro a preocupação de conseguir mais um ajudante matogrossense, pois o 1° Ajudante, Capitão Manuel Caetano de Faria Albuquerque, que o era, candidatara-se a uma cadeira de deputado. Ficou, pois, encantado com a notícia de que eu, classificado em primeiro lugar na Escola, e matogrossense, ia ser desligado da Escola Superior de Guerra. Incluiu-me, desde logo, como Ajudante na sua Comissão e, sem me consultar, propôs meu nome a Benjamin Constant.
(...) Gomes Carneiro, meu amado Mestre do sertão. Ali me ensinaste a ser soldado. Aprendi, nos teus edificantes exemplos cívicos e militares, a ser dedicado ao serviço, inflexível nas maiores dificuldades e sofrimentos para nunca, ante o subordinado, revelar cansaço ou ignorância - porque só assim, dizias, será a autoridade do chefe mantida e respeitadas as suas ordens. Foi contigo que aprendi a amar o índio, já meditando nas ordens que fizeste cumprir em sua defesa e proteção, ao longo da estrada marginada pela construção da linha telegráfica, onde o borôro mantinha suas aldeias; já no empolgante exemplo que me deste de não insistir contra os avisos que nobremente dá o índio ao invasor de sua terras, antes de fazer sentir, materialmente, que sua presença é desagradável”. (Viveiros)
- Gomes Carneiro - o Líder
“Ao assumir Gomes Carneiro a Chefia da Comissão, comunicou-lhe o Capitão de infantaria Cunha Matos, comandante do contingente, que iniciara os trabalhos, haver contratado grande quantidade de postes, cumprindo à Comissão manter o compromisso por ele, Cunha Matos, assumido com o fazendeiro fornecedor dos mesmos. Gomes Carneiro foi, porém, examiná-los e verificou ser tal contrato lesivo à Comissão, não só pelos preços, como também porque eram de madeira de pouca ou nenhuma resistência. Ser-lhe-ia, além disso, facílimo obter postes de primeira ordem nas matas que fosse atravessando e à medida de suas necessidades.
Assim, depois de ouvir o fornecedor, recusou-se a consentir que a Comissão mantivesse o contrato. Quando partiu para a expedição de reconhecimento, deixou Gomes Carneiro, em Cuiabá, um encarregado do material. Não perdeu tempo o manhoso fazendeiro e foi procurar o encarregado.
- Nós poderíamos entrar em um acordo. Afinal o Capitão Cunha Matos havia contratado os postes - e eles representariam bom número de vantagens para o Senhor...
O encarregado fraquejou: - Bem, pode ser que acabemos nos entendendo...
Era de praxe enviar ele balancetes mensais para a aprovação de Gomes Carneiro. Foi este, pois, surpreendido, num belo dia, com um grosso maço de recibos e documentos - eram os recibos de pagamento dos malfadados postes.
Só à noite tinha Gomes Carneiro tempo para verificar sua correspondência, depois de terminados os trabalhos. Fora aquele um dia especialmente afanoso e só muito tarde pudera passar a vista em sua volumosa correspondência. Ao dar com os recibos não podia acreditar no que via! Nervoso, a folhear a papelada, chamava em altas vozes:
- Assunção! Assunção!
Dormiam todos. Como de costume, porém, ouvi-o eu, imediatamente, e compreendi que algo de grave acabava de se passar. Procurei, pois, chamar o Assunção. Veio ele afinal e Gomes Carneiro mostrou-lhe os documentos e recibos.
- Quero comunicar-me imediatamente com Cuiabá!
- Mas meu Coronel, Cuiabá só entra em comunicação às 4 horas da manhã.
- Faça, ainda assim, uma tentativa!
É que não podia dominar sua ânsia de tomar enérgica providência. Quando, às 4 horas, lhe foi possível comunicar- se com Cuiabá, passou o seguinte telegrama: ‘Expulso da Comissão, por desonesto, o encarregado’.
- Hei de me vingar, prometeu este. E, realmente, moveu sórdida campanha contra Gomes Carneiro que revidava sempre com a sobranceria de quem nada tem a temer.
Em compensação, nunca pôde o encarregado chegar a general, pela nota em sua fé de ofício: ‘expulso da Comissão por desonesto’.
Tivera Gomes Carneiro notícia, ao ler, à noite, sua correspondência, de que havia um soldado muito doente, entre Sangradouro e Barreiros de Baixo. Era necessária imediata assistência médica de que dependia sua vida. Chamou o médico da Comissão, Dr. Nunes do Prado, e ordenou-lhe que partisse quanto antes, porque se tratava da vida de um de seus homens.
- Mas Coronel, já é muito tarde, partirei ao amanhecer, o mais cedo possível...
- Não há hora quando se trata de serviço, principalmente quando, como agora, é caso de vida ou morte.
- Não posso, de nenhum modo, partir agora, Coronel! Só amanhã.
- Pois então está o Senhor demitido de seu cargo de médico da Comissão. Trate de regressar quanto antes, não o quero mais ver. E deixo-o entregue à sua própria sorte, como o Senhor deixou nosso soldado. Arranje-se como puder, nada lhe mandarei fornecer; nem mesmo montaria.
Procuraram os companheiros minorar a triste situação do pouco solícito médico que se viu obrigado a regressar... a pé...” (Viveiros)
Fonte: VIVEIROS, Esther de – Rondon conta sua vida - Brasil, Rio de Janeiro, 1958 – Livraria São José.
Solicito Publicação
* Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)
Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br
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