Os cartões e a ditadura
Jarbas Passarinho
Foi ministro de Estado, senador e governador
Tenho um amigo fraterno que acha inútil a defesa dos incessantes ataques ao período militar quando descabidos e alimentados só pela vendeta. Não prosperam, para os radicais da esquerda, as provas irrefutáveis. Os militares venceram as guerrilhas comunistas, mas perderam a batalha das comunicações. Não me contenho diante da litania, que inclui falsidades históricas, repetidas há mais de duas décadas desde o fim do ciclo militar. Maniqueísmo puro. Desmascarada, porém, a propaganda mentirosa não pára. Agora, à falta de outras fantasias, a “ditadura” é responsável pela existência dos cartões corporativos criados em 2001, e a culpa recai no Decreto-Lei nº 200,que, pelo talento de Hélio Beltrão, mudou a estrutura administrativa do Estado.
O marechal de França Louis-Lyautey dizia que certas idéias ou pessoas são comparáveis à lagosta: “Tira-se dela a carne, mas permanece a carcaça”. É o caso do PPS, nova sigla do antigo PCB, após o colapso da União Soviética. Acaba de descobrir que Lula, em nome da segurança nacional, quer sejam sigilosos os gastos feitos pelos cartões corporativos da Presidência da República. “Escorou-se” — diz ele — no Decreto-Lei 200, “um decreto da ditadura, editado num tempo em que a Constituição mudava de acordo com os interesses da doutrina da segurança nacional”. O decreto é de 1967, proposto ao presidente pelo democrata
Hélio Beltrão para modernizar a administração. Foi publicado normalmente. A imprensa era livre, como nunca foi nos países comunistas, ainda hoje em Cuba, na China e na Coréia do Norte — e assegurados os direitos fundamentais que os marxistas dizem formais.
Todos os países democráticos dão tratamento secreto ao custo da segurança nacional. No atual governo, despesas secretas consumiram R$ 37,5milhões, jamais comparáveis a cartões corporativos para pagar despesas emergenciais que nada têm com segurança nacional, ainda que se sustente que as peças de roupa do presidente da República, entregues para lavar, podem comprometer a segurança nacional. Se conhecidas as características de um colete à prova de bala, o inimigo estudará como perfurá-lo, diz-se. E se na lavanderia houvesse araponga, de que adiantaria a cautela governamental? E a lavanderia seria parte do palácio ou decorreria de uma licitação (coisa em que o PT é mestre) em que o edital exigisse segredo quanto à peça protetora? O melhor, mesmo, é não amarrotar os ternos do famoso estilista Armani, caríssimos, com coletes balísticos, que, se usados, fariam Lula se parecer com um fuzileiro americano, combatendo no Iraque sem vencer.
Aliás, de nada têm valido os coletes diante da detonação de bombas de muçulmanos suicidas. Ademais, o traje também não se prestaria para cerimônias solenes ou simples mas com a participação de presidentes, como se deu nas águas do Oiapoque recentemente. Enquanto Sarkozy, que trajava paletó e gravata, como burguês, Lula teria sido prejudicado porque o colete desfiguraria a bela camisa de meia-manga caribenha com que recebeu o colega francês. Também, não procede a necessidade de evitar que bebidas finas e destiladas incluídas nas compras para as adegas governamentais pudessem sugerir a um repórter maldoso concluir que é prova de alcoolatria. De resto, além da maldade, essa conclusão seria uma tolice e provaria a ignorância histórica do intrigante.
Yeltsin não apenas bebia muito; era alcoólatra, assim reconhecido pela mídia universal. Mas de cima de um carro de combate, sóbrio ou não, abortou o golpe frustrado de 1991, que pretendeu depor Gorbachev, e antecipou o colapso da União Soviética, de que têm tanta saudade Fidel Castro, as Farc e muitos “companheiros” do Foro de São Paulo, de que Lula foi um “olheiro” apenas, decepcionando depois as viúvas de Marx e os filhotes de Lênin. Nas dezenas de países que já visitou, também não teria cabimento apresentar-se encorpado no colete, pois seria insultuoso para com os visitados.
O que é preciso, sim, não é justificar o injustificável. Quem tem razão é Jefferson, não o de 1776, mas o desbravador do mensalão, ou outro figurão da política: “A culpa não é dos cartões, mas dos seus portadores”. E maior será, ainda, dos políticos da suposta oposição se não derem curso à CPI mista só porque os governistas (muitos dos quais trocaram as mensalidades pelas indicações de postos e funções na máquina governamental) usaram um instrumento constitucional da minoria, não do governo, dispondo da maioria dos seus membros, o presidente e o relator. Ou estão negociando um acordo capaz de impedir a investigação por medo de jogarem pedra no seu telhado, ou suas vozes terão repercussão nacional se a mídia cumprir seu papel. Basta que um deles proponha algo que o governo, se negar, estará confessando a culpa. Do contrário, o melhor é atacar o decreto-lei da ditadura que não existia em 1967, todas as liberdades fundamentais asseguradas.
FONTE : CORREIO BRAZILIENSE 19/02/08
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