Notícias Militares

quarta-feira, 5 de março de 2008

Exmo. Sr. Ministro da Defesa



Exmo. Sr. Ministro da Defesa

A imprensa publicou que o reajuste anual dos militares (determinado constitucionalmente : Emenda Constitucional nr. 19) seria concedido em duas parcelas de 4%.
Ao ler a notícia, de imediato concluí que só poderia ser brincadeira de quem não tem o que fazer, e como presumo que o senhor tem muito o que fazer, e muitíssimo mais o que aprender sobre as lidas castrenses, e, ademais, deve ter conhecimento sobre o misto de descontentamento e revolta que se alastra no seio da tropa, o vazamento dessa notícia não poderia ter origem na sua pasta.
Com efeito, no dia seguinte veio o desmentido, e, mais ainda, a notícia de que o senhor e o ministro do Planejamento continuam se encontrando para estudar a matéria.

Ao comentar o assunto com o meu filho adolescente --para quem falta-me dinheiro para comprar os óculos de grau de que está precisando-- ele retrucou, nesse linguajar atrevido dos jovens, "carácolis!, esses caras são muito burros ou devagar quase parando!
Repliquei injuriado: "seja mais respeitoso, não é com essas palavras que nos referimos ás altas autoridades do primeiro escalão da República!
Ele insistiu: "pô, pai, qualquer imbecil hoje em dia sabe criar uma planilha no Excel, introduzir os dados "soldos" mais "inflação no período" e obter instantaneamente o resultado. Daí é só inserir um blá-blá-blá, isso eles sabem fazer como ninguém, e levar o decreto para o Lula assinar."
"Meu filho --respondi didaticamente-- esses ministros são da antiga, não têm intimidade com essas modernidades, vai ver que tratam o computador de vossa excelência..."
"Mas nos ministérios não tem uma p****** de aspones que sabem usar o Excel? - perguntou, insolente, o adolescente.
"Ter, têm --respondi, acrescentando-- "mas talvez falte a esses senhores capacidade para interpretar o resultado, afinal, um deles é formado em direito e o outro nem sei se tem formação em ciências exatas."
"Igual ao Lula?" --indagou o atrevido.
"Não me venha falar mal do nosso presidente!" -- exclamei, aborrecido.
"Tá, pai, já sei, você é Lula, Fidel, Chavez e Morales na Terra e Deus no céu!" E acrescentou, debochando: "bota o Lula também no céu, ele tem mais hora de vôo do que qualquer piloto da FAB! Pro aerolula 51 não falta combustível, já para os demais pilotos militares voarem não tem querozene de aviação!"

Ministro, foi demais, quase dei uns petelecos no rapaz, mas como o presidente acabou de dizer que "se porrada educasse, bandido sairia santo da cadeia", fiz ouvidos de mercador e continuamos a conversa.

"Meu querido 07 (explico, tenho oito filhos e esse é o sétimo)", --respondi carinhosamente-- "as decisões de alto nível exigem planejamento estratégico, rodadas de negociações, consultas às bases, vontade política..."

"Sem essa, pai, esses caras tão é embromando, acabei de ler que em janeiro desse ano o governo arrecadou mais 10 bilhões do que em janeiro do ano passado, e que os prognósticos são de que esse aumento continue sucedendo nos meses vindouros".

Nessa hora, senhor ministro, senti-me gratificado... "prognósticos"... "vindouros"... o rapazola empregou palavras somente usuais na norma-padrão, sinal de que os R$ 1.668,00 que pago mensalmente ao colégio onde ele estuda têm retorno. A educação de outro filho (o 06) custa-me em torno de R$ 2.000,00 mensais. Também tenho outro menorzinho (o 08) que só me custa R$ 600,00 mensais. A essas despesas, acrescento as referrentes a aluguel (não tenho cada própria), condomínio, mesadas, alimentação, combustível do meu carro velho, eletricidade, gas, passagens, roupas, medicamentos, planos de saúde, tributos, Internet, telefones, celulares, juros "incivilizados" do cheque especial, dos cartões de crédito, dos empréstimos consignados, dentistas, médicos e por aí vai, de modo que não sobra nada, aliás, sobram sim, mensalmente, 20 dias depois do soldo.

A essa altura, chega-se a nós o 06, universitário do curso de economia na FGV.
"Vocês estão falando do aumento dos militares?", pergunta interessado, e complementa: "Já saiu?"
"Não filho, não saiu, você sabe como são essas coisas, os ministros estão estudando...ademais não se trata de aumento. e sim de reajuste..."
"Mas, pai, estão estudando há meses, acho que não sabem estudar. Basta que eles peçam ajuda àqueles outros que reajustam rapidinho o preço da gasolina, do gás de cozinha, dos impostos, do IOF em substituição à CPMF, da remuneração dos deputados e senadores, da Polícia Militar do Distrito Federal, dos ascensoristas do Congresso, do churrasqueiro da Granja do Torto..."

"Filho, não baixe o nível, o presidente e os seus assessores têm todo o direito de comemorar os êxitos da política econômica, do aumento da arrecadação, de festejar tais avanços com churrascos, festas juninas, enfim, de se regalar com esses comes e bebes da mesma forma que nós da classe média baixa..."

"Mas pai, há quanto tempo que você não faz um churrasco aqui em casa, diz que a grana tá curta, que o dinheiro para a mamãe fazer a feira tá contado, só compra fígado, bucho, carne dianteira, peixe de segunda, olha pai, a comida aqui de casa fica devendo até para a dos sem terra que são subsidiados pelo governo"

"Filho meu, escuta, os ministros estão estudando..."

"Porra, pai, você acredita em Papai Noel? Esses caras estão enrolando vocês, igual a tantos políticos..."

"Chega, chega e chega!", esbravejei quase me descontrolando, " já vi que com vocês dois não posso ter um diálogo em alto nível, vocês apelam sempre para esses argumentos de porta de botequim, utilizam linguajar perojativo quando se referem às altas autoridades, são uns indisciplinados, mal educados, mal agradecidos, não vêem que os nossos líderes são justos, que só pensam no bem do país, não levam em consideração que o nosso presidente, filho de mãe que nasceu analfabeta, é hoje um estadista aclamado no mundo inteiro, tem vários títulos de doutor "honoris causa" atribuídos a personalidades que tenham se distinguido pelo saber ou pela atuação em prol das artes, das ciências, da filosofia, das letras, é recebido com "grand donheur" no Parlamento Europeu, na ONU, na Casa Branca, na Coroa Inglesa, está se tornando um mito à exemplo do Comandante Fidel Castro, seu fiel amigo, dialoga de igual para igual com o Chavez, Evo Morales, Cristina Kischner, não perceberam que o nosso ministro da Defesa está tão empolgado com o cargo que até se uniformiza de general..."

"Tá, pai, --encerra a conversa o 06-- já vi que com você, xiita verde e amarelo, não dá mesmo para dialogar, mas a propósito de grana, tenho que comprar três livros de economia importados, em inglês, são só 900 pratas, a livraria que vende faz em duas vezes..."

Aproveitando o ensejo, o 07 arremata: "também estou precisando comprar três livros, mas só custam 320, a livraria faz no cartão em quatro vezes".

E conclui com um comentário altamente provocativo: "pai, tenho um colega de turma que só chega no colégio num carrão com motorista, que até abre a porta para ele saltar. Todo o mundo sabe que ele é filho de um ministro ou de um político, mas o carinha tem vergonha de assumir, mente dizendo que o pai é dançarino de streep em um clube GLS"...

Levantei-me profundamente irritado e fui tomar um lexotan, essas crianças tão mal informadas abusam da minha paciência.

Infelizmente, senhor ministro, estou convencido de que apesar de ter realizado todos os cursos da carreira, de ter sempre sido promovido por merecimento, de orgulhar-me por ter sido agraciado com medalhas militares a exemplo do ministro Dirceu, do deputado Genoíno, da ministra Dilma e da Primeira-Dama, de ser bacharel em direito, e de orgulhar-me de haver recebido durante a carreira dezenas de elogios consignados pelos meus comandantes, não posso orgulhar-me de ter sabido educar os meus filhos.

Senhor ministro, o intróito acima tem por escopo sugerir que a matéria "Como educar os filhos e ser um bom pai" seja incluída no currículo das escolas de formação de militares, pois temo, de que a exemplo do que ocorre comigo, essa lacuna esteja ocorrendo com os meus companheiros.

L. W.
Coronel da Aeronáutica

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